terça-feira, 23 de julho de 2013

RT Comenta: DIREITO DO CONSUMIDOR


Prova: Juiz Federal TRF5 (2012)
Tipo: Objetiva
Banca:
Às vezes um concurso difícil como o de Juiz Federal pode surpreender com questões relativamente fáceis. É o caso da questão abaixo, que separei de concurso recente, na qual fica evidente que a decoreba de leis é essencial ao concurseiro (gostemos disso ou não). Vamos ler o enunciado da questão 32:
QUESTÃO 32

Assinale a opção correta de acordo com o CDC.

(A) Se o dano for causado por componente ou peça incorporada ao produto ou serviço, respondem subsidiariamente o seu fabricante, o construtor ou importador e quem tiver realizado a incorporação.

(B) São nulas de pleno direito as cláusulas que infrinjam as normas ambientais ou possibilitem sua violação.

(C) Comprovado que o fornecedor desconhecia os vícios de qualidade por inadequação do produto, extingue-se o dever de indenizar.

(D) As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas são solidariamente responsáveis pelas obrigações estabelecidas no CDC.

(E) Quando a contratação do serviço ocorrer fora do estabelecimento comercial, o consumidor poderá desistir do contrato no prazo de até quinze dias, contado da assinatura ou do recebimento do serviço.
Como se vê, a questão insere-se no estudo do Direito do Consumidor. Para resolvê-la, o leitor deve atentar para o seu enunciado: "de acordo com o CDC". Eis a chave para a resposta correta. O mencionar o "de acordo" o examinador, no fundo, está querendo dizer que ele irá reproduzir a famigerada letra da lei. E quem vence uma questão como essa? Não tem jeito: só quem leu bastante o código.     
1 - Comentários ao item A
 
(A) Se o dano for causado por componente ou peça incorporada ao produto ou serviço, respondem subsidiariamente o seu fabricante, o construtor ou importador e quem tiver realizado a incorporação.

A alternativa A está errada.
O erro é facilmente visualizado à luz do § 2º do art. 25 do CDC:

 Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores.

§ 1° Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas seções anteriores.

§ 2° Sendo o dano causado por componente ou peça incorporada ao produto ou serviço, são responsáveis solidários seu fabricante, construtor ou importador e o que realizou a incorporação.
 
Note o leitor que o examinador fez um trocadilho com o § 2º do art. 25 do CDC. Nesse dispositivo, lê-se que a responsabilidade é solidária - e não subsidiária.

Uma dica é perceber que a Lei 8.078/90 visa a proteger o consumidor, que é presumido absolutamente vulnerável no mercado de consumo (art. 4º, I). Consequentemente, a responsabilidade tende à solidariedade, pois o vínculo obrigacional solidário facilita a reparação dos danos experimentados pelo consumidor lesado.   

Mas a legislação especial também traz algumas peculiaridades. Tal é a situação, por exemplo, da responsabilidade do comerciante pelo fato do produto. Vejamos o que prescreve o art. 13 do CDC:    

Art. 13. O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando:

I - o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados;

II - o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador;

III - não conservar adequadamente os produtos perecíveis.

Parágrafo único. Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação na causação do evento danoso.

Esse dispositivo sucede imediatamente o art. 12 do códex, que trata da responsabilidade do fornecedor pelo acidente de consumo (fato ou defeito do produto):

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

Note o leitor que, em regra, a responsabilidade dos fornecedores pelo fato do produto é objetiva (independe da existência de culpa) e solidária. Porém, em se tratando do comerciante, o art. 13 torna sua responsabilização diferenciada, condicionando-a à ocorrência de algumas das hipóteses elencadas nos incisos do art. 13. Presente alguma dessas situações, o comerciante será igualmente responsável solidário (a doutrina critica, com razão, o teor do inc. III do art. 13, mas tal debate não vem a calhar neste momento).  

Diversa é a responsabilidade do comerciante pelo vício do produto. Aí o art. 18 do CDC não diferenciou sua condição jurídica da dos demais fornecedores, de modo que ele será solidariamente responsável pelo prejuízo intrínseco (vício) do produto.

Eis o art. 18 do CDC:

Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.

Portanto, convém atentar para esses pequenos detalhes da responsabilização solidária no CDC.  

2 - Comentários ao item B 

(B) São nulas de pleno direito as cláusulas que infrinjam as normas ambientais ou possibilitem sua violação.

A alternativa B está correta.

O item consiste na reprodução literal do art. 51, XIV, do CDC: 

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

 XIV - infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais;

Examinador cobrou a letra da lei.

3 - Comentários ao item C

(C) Comprovado que o fornecedor desconhecia os vícios de qualidade por inadequação do produto, extingue-se o dever de indenizar.
 
A alternativa C está errada.

O microssistema consumerista não permite afastar a responsabilidade do fornecedor que, embora agindo de boa-fé, causa dano ao consumidor. Por essa razão, o art. 23 do CDC prevê o seguinte:

Art. 23. A ignorância do fornecedor sobre os vícios de qualidade por inadequação dos produtos e serviços não o exime de responsabilidade.

Evidentemente, se a legislação aceitasse a escusa da ignorância como causa excludente da responsabilidade, o consumidor restaria desprotegido em muitas situações. Por isso, a regra é a da responsabilidade objetiva pelo fato do produto (CDC, art. 12, caput) ou do serviço (CDC, art. 14, caput), salvo, neste último caso, quando se tratar de acidente de consumo decorrente de serviço prestado por profissional liberal, porque aí prevalece a exceção prevista no art. 14, § 4º, o qual demanda a perquirição do elemento culposo: 

Art. 14 omissis
 
§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.

Note o leitor que essa exceção aplica-se tão somente ao fato do serviço. Não é possível interpretá-la extensivamente, com vistas a aplica-la também na hipótese de vício do serviço, tal como previsto no art. 20 do CDC:    

Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:

I - a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível;

II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;

III - o abatimento proporcional do preço.

§ 1° A reexecução dos serviços poderá ser confiada a terceiros devidamente capacitados, por conta e risco do fornecedor.

§ 2° São impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares de prestabilidade.

Como o art. 20 não aludiu a quaisquer exceções à responsabilidade objetiva, conclui-se que, na hipótese de vício do serviço, a responsabilidade do fornecedor, incluindo o profissional liberal, será objetiva, isto é, apurada independentemente de culpa.

A seguir, colaciono uma decisão que desenvolve o raciocínio supra

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA CUMULADA COM INDENIZAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. PRELIMINAR AFASTADA. AQUISIÇÃO DE VEÍCULO. PRETENSÃO DE SUBSTITUIÇÃO POR OUTRO DA MESMA ESPÉCIE EM RAZÃO DE VÍCIOS DO PRODUTO. RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR DE NATUREZA OBJETIVA OU EM FACE DE PRESUNÇÃO "JURE ET DE JURE" DE CULPA, DA QUAL NÃO SE EXIME NEM NA HIPÓTESE DE IGNORÂNCIA DOS VÍCIOS, QUE SEQUER PODE ALEGAR, HAJA VISTA SEREM PREVISTOS EM BOLETINS TÉCNICOS EMITIDOS PELO FABRICANTE E QUE EMPRESTAM VERACIDADE À ALEGAÇÃO DE SUA OCORRÊNCIA PELO CONSUMIDOR. VÍCIOS, ADEMAIS, QUE TEM SUA OCORRÊNCIA COMPROVADA PELO CONJUNTO PROBATÓRIO E NÃO DECORREM DE COMPORTAMENTO NEGLIGENTE DO CONSUMIDOR. PROCEDÊNCIA PARCIAL. DECISÃO CORRETA. APELO DESPROVIDO.
(TJ-PR - AC: 1423110 PR Apelação Cível - 0142311-0, Relator: Augusto Lopes Cortes, Data de Julgamento: 05/05/2004, 4ª Câmara Cível, Data de Publicação: 17/05/2004 DJ: 6622)

Agora o leitor tem condições de compreende o porquê de o art. 23 do CDC mencionar apenas "vícios". A razão é que, quando houver responsabilidade pelo fato do produto, a investigação de culpa será necessária para efeito de responsabilização do profissional liberal a quem se atribui a causação do acidente de consumo (CDC, art. 14, § 4º). 

4 - Comentários ao item D

(D) As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas são solidariamente responsáveis pelas obrigações estabelecidas no CDC.
 
A alternativa D está errada.

Outro item retirado diretamente da letra da lei. Eis o dispositivo aplicável:

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

§ 1° (Vetado).

§ 2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.

§ 3° As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.

§ 4° As sociedades coligadas só responderão por culpa.

§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

O examinador trocou o termo "subsidiário" do § 2º pelo "solidário", nisso consistindo seu equívoco.  

5 - Comentários ao item E

(E) Quando a contratação do serviço ocorrer fora do estabelecimento comercial, o consumidor poderá desistir do contrato no prazo de até quinze dias, contado da assinatura ou do recebimento do serviço.
 
A alternativa D está errada.

O examinador retirou o item do art. 49 do CDC, que ora reproduzo:

Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.

Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.

O erro da alternativa está no prazo, que não é de 15 dias, mas sim de apenas 7 dias, tal como está escrito na letra da lei.

Vale lembrar que doutrina e jurisprudência denominam tal prazo de "direito de arrependimento", senão vejamos:
 
AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. COMPRA. SISTEMA TELEVENDAS. DIREITO DE ARREPENDIMENTO. PRAZO LEGAL DE SETE DIAS. ART. 49 DO CDC. DECISÃO AGRAVADA. MANUTENÇÃO.
I- É facultado ao consumidor desistir do contrato de compra, no prazo de 7 (sete) dias, a contar da sua assinatura, quando a contratação ocorrer fora do estabelecimento comercial, nos termos do art. 49 do CDC.
II- Agravo Regimental improvido.
(STJ, Relator: Ministro SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 22/06/2010, T3 - TERCEIRA TURMA)

Como o leitor pôde perceber ao longo destes meus comentários, em todos os concursos, conhecer bem a letra da lei é fundamental.

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