quarta-feira, 4 de setembro de 2013

RT Comenta: DIREITO PENAL



Prova: Defensor Público DPE-SP Concurso V (2012)
Tipo: Objetiva
Banca:
Separei para comentar uma questão de Direito Penal cobrada no V Concurso para ingresso na carreira de Defensor Público do Estado de São Paulo, realizado no ano de 2012. O assunto é erro de tipo.
1 - Questão 19
19. Em Direito Penal o erro
 
(A) de tipo, se for invencível, exclui a tipicidade dolosa e a culposa.

(B) que recai sobre a existência de situação de fato que justificaria a ação, tornando-a legítima, é tratado pelo Código Penal como erro de proibição, excluindo-se, pois, a tipicidade da conduta.

(C) de tipo exclui o dolo e a culpa grave, mas não a culpa leve.

(D) de proibição é irrelevante para o Direito Penal, pois, nos termos do caput do art. 21 do Código Penal, "o desconhecimento da lei é inescusável".

(E) de proibição exclui a consciência da ilicitude, que, desde o advento da teoria finalista, integra o dolo e a culpa.

Boa parte da doutrina, por razões didáticas, costuma destacar o estudo do erro no Direito Penal em capítulo próprio. Esse destacamento proposital gera, então, ora a investigação do erro de tipo, ora a do erro de proibição. Em ambos os casos, todavia, o estudioso estará diante de um mesmo fenômeno, qual seja, o do erro que vicia a vontade, a causar uma falsa percepção da realidade pelo agente. Se o equívoco incide sobre a ilicitude da ação, tem-se erro de proibição; mas se o equívoco incide sobre os elementos estruturais do delito, aí se estará diante de erro de tipo.     

A questão em comento cobrou precisamente esta última faceta do estudo do erro em Direito Penal, isto é, o erro de tipo. Trata-se de tema que encontra previsão no art. 20, caput, do Código Penal:

Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.

Uma leitura doutrinária do dispositivo permite ao intérprete concluir que o erro de tipo é a falsa representação da realidade quanto aos elementos constitutivos do tipo penal. O agente, portanto, erra quanto à existência de uma elementar da figura típica. Exemplificativamente, temos o caso do sujeito que, por engano, pega o telefone celular pertencente a um colega da faculdade; ele se apropria do aparelho, porém acredita sinceramente ser seu, haja vista possuir modelo idêntico (mesma marca, mesma cor). Nessa hipótese, falta ao agente o conhecimento da elementar típica "alheia", presente no art. 155 do CP ("Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel"). O mesmo se pode dizer do sujeito que, numa altercação, profere palavras desrespeitosas, dirigindo-as ao seu contendor, que é funcionário público. Ora, se o autor das ofensas não sabia que o seu interlocutor era "funcionário público" (CP, art. 327), supondo se cuidar de um particular não ocupante dessa condição especial, há aí claramente um erro quanto ao elemento constitutivo do delito de desacato, o qual pressupõe, para sua configuração típica, que a vítima do ultraje seja servidor ("CP, art. 331 - Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela"). Evidentemente que, nessa última hipótese, embora não fique caracterizado o dolo do crime de desacato, nada impede que se configure, subsidiariamente, o delito de injúria (CP, art. 140), ou o delito de difamação (CP, art. 139), ou mesmo o delito de calúnia (CP, art. 138), a depender do conteúdo da ofensa.           

Feitas essas breves considerações doutrinárias introdutórias, vamos analisar cada uma das alternativas propostas pela banca:

19. Em Direito Penal o erro
 
(A) de tipo, se for invencível, exclui a tipicidade dolosa e a culposa.

A alternativa está correta.

Tradicionalmente, a doutrina divide o erro de tipo em duas espécies: erro de tipo essencial e erro de tipo acidental. Naquele o erro recai sobre as elementares típicas principais. Neste o erro recai sobre elementares típicas secundárias. No exemplo acima citado, do agente que erra quanto à existência da elementar "funcionário público", tem-se um erro de tipo essencial, pois está claro que o equívoco se relaciona a um dado fundamental da figura típica. Já no exemplo do marido traído que, desejando assassinar sua mulher, vai a casa à noite e, por uma falsa representação da realidade, mata a cunhada, tem-se um caso de erro quanto à pessoa (error in persona), que é uma das subespécies do erro de tipo acidental (as outras são erro sobre o objeto, erro na execução, erro sobre o nexo causal e o erro que culmina com resultado diverso do pretendido). Note-se que, se o marido soubesse que estava a matar a cunhada, e não a esposa, ele manteria o animus necandi, apenas o corrigindo quanto à vítima almejada (mataria a esposa). O erro do marido é acidental justamente por isto: saber se a vítima é sua esposa (vítima virtual) ou sua cunhada (vítima real) não altera o propósito criminoso do agente, já que houve a consumação do delito de homicídio (CP, art. 121).     

Para resolver a questão, o fundamental é observar que as consequências do erro de tipo essencial variam conforme o erro seja considerado inevitável ou evitável. Assim, temos o seguinte esquema:

a) Erro de tipo essencial inevitável: alguns doutrinadores referem-se a ele como erro escusável ou invencível. Sua consequência é promover a exclusão do dolo e da culpa, já que qualquer pessoa, empregando diligência ordinária exigível pela ordem jurídica, incidiria no erro, dadas as circunstâncias do caso concreto. Aqui o erro é imprevisível.

b) Erro de tipo essencial evitável: também referido em doutrina como erro inescusável ou vencível. Sua consequência é promover a exclusão do dolo, embora permita a punição por culpa (se existir previsão legal de modalidade culposa para o crime), já que a culpabilidade do agente permanece intacta. No erro de tipo essencial evitável, há uma falsa percepção da realidade que, tivesse o agente atuado com a diligência que ordinariamente se espera de alguém nas circunstâncias do caso concreto, teria sido possível evitar. Aqui o erro é previsível.   

A doutrina exemplifica a diferença entre os erros de tipo com a hipótese clássica do caçador na floresta. Tem-se, pois, a seguinte situação: um caçador se põe a caçar numa floresta habitada por animais perigosos; então atira contra as folhas que se mexiam e atinge o alvo, ocasião em que vem a perceber que se tratava de uma pessoa. Ora, o caçador errou quanto à elementar "alguém" do tipo de homicídio (CP, art. 121 - Matar alguém). Ou seja, o crime se consumou sem que o agente tivesse consciência plena do que fazia. Aí, a depender do caso concreto, tanto poderá haver exclusão de dolo e culpa pelo reconhecimento do erro de tipo essencial inevitável (era impossível ao agente prever que um ser humano poderia estar escondido nos arbustos naquele dia, naquele horário, naquela região prenhe de animais perigosos), quanto poderá haver exclusão de dolo, porém com punição da culpa ante o reconhecimento do erro de tipo essencial evitável (o agente sabia que naquela floresta algumas pessoas costumavam se esconder, o que permite, dada a previsão legal, sua punição por crime culposo).

Diante dessas lições, fica fácil agora perceber o acerto da alternativa, já que, do ponto de vista doutrinário, reconhece-se que o erro de tipo essencial, quando inevitável (ou invencível, como preferiu designar o examinador), exclui o dolo/tipicidade dolosa (falta consciência) e a culpa/tipicidade culposa (falta previsibilidade).

19. Em Direito Penal o erro

(B) que recai sobre a existência de situação de fato que justificaria a ação, tornando-a legítima, é tratado pelo Código Penal como erro de proibição, excluindo-se, pois, a tipicidade da conduta.
 
A alternativa está errada.

O tema em questão está disposto no art. 20, § 1º, do CP. Vamos dar uma olhada no dispositivo:

Art. 20 omissis
 
§ 1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.

O § 1º do art. 20 do CP refere-se ao que a doutrina convencionou denominar de erro de tipo permissivo. Trata-se da hipótese do erro que incide sobre os pressupostos das descriminantes putativas. E o que é descriminante? É uma causa excludente de ilicitude ou de antijuridicidade (p. ex.: legítima defesa, estado de necessidade, etc). E o que significa putativo? Significa algo imaginado, suposto, pensado, crido.

No erro de tipo permissivo, o agente erra quanto à ocorrência de uma situação fática que, caso fosse realmente existente, justificaria a sua ação. Por exemplo: alguém, caminhando por uma rua, ao ser abordado por um sujeito maltrapilho com uma das mãos nos bolsos, agride-o com um soco, supondo que se tratava de um princípio de assalto (agressão injusta iminente, portanto), quando, na verdade, o sujeito era um andrajo que ganhava a vida esmolando.

Na hipótese do erro de tipo permissivo, o Código Penal determina as seguintes consequências: se o erro for inevitável, o agente fica isento de pena; se o erro, porém, for evitável, o agente responde pelo crime culposo.

Note o leitor que, enquanto o caput do art. 20 dispõe expressamente que o erro sobre o tipo incriminador exclui o dolo, o § 1º do mesmo dispositivo isenta o agente de pena em caso de erro sobre os pressupostos fáticos das descriminantes putativas. Ou seja, o erro de tipo permissivo assemelha-se ao erro de tipo na sua estrutura (o agente erra quanto a existência dos pressupostos caracterizadores das descriminantes), mas, por outro lado, assemelha-se ao erro de proibição na sua consequência: isenta de pena (afasta-se a culpabilidade, e não o dolo, que permanece intocado).

Vê-se, dessa maneira, que o Código Penal brasileiro não tratou o erro de tipo permissivo como erro de proibição. Tratou-o, isto sim, como erro de tipo (tanto que foi inserido no parágrafo que vem logo após o art. 20, cujo nomen iuris é o de erro sobre elementos do tipo), em que pese a sua consequência ser idêntica a do erro de proibição: isenção de pena. Por esse motivo, prefiro filiar-me à corrente dos que entendem que o erro de tipo permissivo é um erro sui generis. De todo modo, a doutrina majoritária aponta que o § 1º do art. 20 do CP é, sim, espécie de erro de tipo (mais precisamente erro de tipo permissivo), sobretudo em apreço ao fato de que o legislador brasileiro adotou a teoria limitada da culpabilidade.   

19. Em Direito Penal o erro
 
(C) de tipo exclui o dolo e a culpa grave, mas não a culpa leve.
 
A alternativa está errada.

É sabido que o crime culposa encontra-se previsto no art. 18, II, do CP:

Art. 18 - Diz-se o crime: 

Crime doloso

I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;(Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)


II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia. 

Parágrafo único - Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente. 

Também sabemos que o delito culposo comporta os seguintes elementos estruturantes: a) conduta humana voluntária; b) violação de um dever objetivo de cuidado; c) ocorrência de resultado naturalístico involuntário; e d) nexo causal entre conduta e resultado.

Quando se passa às classificações, a doutrina penalista usualmente aponta as espécies de culpa (culpa consciente, culpa inconsciente, culpa própria, culpa imprópria). Pouco se fala em graus de culpa (grave, leve, levíssima), proposta classificatória muito comum no Direito Civil, em especial na seara da responsabilidade civil.  

Seguindo a linha adotada pelo Código Penal no seu art. 20, caput, tem-se que, em havendo erro de tipo essencial inevitável, exclui-se dolo e culpa (o erro era imprevisível); já se houver erro de tipo essencial evitável, haverá apenas exclusão do dolo, admitindo-se a punição por culpa (o erro era previsível), caso haja previsão em lei da modalidade culposa.  

Como o leitor pode notar, o legislador não utilizou o critério classificatório da culpa para discriminar qual a consequência do erro de tipo incriminador. Para o CP, pouco importa o grau de culpa (se leve ou grave) nessa matéria. O que interessa mesmo é aferir a evitabilidade ou inevitabilidade do erro diante do caso concreto.

19. Em Direito Penal o erro

(D) de proibição é irrelevante para o Direito Penal, pois, nos termos do caput do art. 21 do Código Penal, "o desconhecimento da lei é inescusável".
 
A alternativa está errada.

Seu erro consiste em afirmar a irrelevância do erro de proibição. Com efeito, tal vai de encontro ao previsto no art. 21 do CP, senão vejamos:

Art. 21 - O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço. 

Como se percebe, se o erro de proibição fosse irrelevante, não contaria com previsão expressa do instituto no Código.

Além disso, a parte final da assertiva permite-nos refletir sobre a diferença que há entre o desconhecimento da lei e o erro quanto à ilicitude. Nesse prisma, é preciso recordar o art. 3º da LINDB:

Art. 3º  Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.

O que esse dispositivo revela é que, no Brasil, a ninguém é dado alegar desconhecimento da norma escrita, com vista a justificar o seu eventual descumprimento. Por outras palavras, há uma presunção legal de que as leis, contanto que tenham sido promulgadas, são do conhecimento amplo da sociedade que regem. Isso não se confunde, é claro, com o conhecimento do conteúdo da lei. Aqui se pode admitir que um determinado sujeito, de fato, ignore em dadas circunstâncias que sua conduta era contrária à norma legal, o que eventualmente pode afastar a consciência da ilicitude, integrante da culpabilidade nos estratos da teoria do crime. É nesse contexto (da culpabilidade) que surge a o instituto do erro de proibição, que, quando inevitável, isenta de pena, mas que, quando evitável, pode apenas diminuí-la de um sexto a um terço (CP, art. 21).   

19. Em Direito Penal o erro

(E) de proibição exclui a consciência da ilicitude, que, desde o advento da teoria finalista, integra o dolo e a culpa.
 
A alternativa está errada.

Erro de proibição é matéria da culpabilidade, que é o terceiro estrato (ou substrato) da teoria tripartite do crime (crime é o fato típico + ilícito + culpável), conforme a doutrina majoritária prevalente no Brasil.

Por sinal, a estrutura tripartite do crime abeberou-se no teoria finalista, para a qual, em verdade, crime tem três substratos (fato típico, ilícito, culpável). Contudo, o finalismo não preconiza que a consciência da ilicitude integram dolo e culpa. Na realidade, a teoria finalista inovou ao defender que dolo e culpa são aferidos no juízo de tipicidade, porquanto integrem a conduta humana. Ou seja, dolo e culpa, diferentemente do que até então era defendido pela doutrina, não integram a culpabilidade, mas sim se constituem em elementos do próprio fato típico - eles estão no tipo, tanto que, caso o elemento anímico seja afastado, o fato é atípico.  

Logo, no finalismo, dolo e culpa são depurados da culpabilidade, que passa a ser estruturada teoricamente com base nos seguintes elementos: imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e inexigibilidade de conduta diversa.

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