quarta-feira, 30 de outubro de 2013

RT Comenta: PROCESSO CIVIL


.
 
Prova: Juiz TJPA (2012)
Tipo: Objetiva
Banca:
Eis uma questão interessante de Processo Civil sobre um tema sempre cobrado em provas de concursos: julgamento antecipado do mérito. Para respondê-la, também é preciso recordar algumas lições sobre a extinção anômala do processo. É o que farei adiante em homenagem ao leitor do blogue.

1 - Questão 6

Considerando-se que, em determinada demanda em curso, com partes maiores e capazes, haja a regular citação do réu, haverá o julgamento antecipado do mérito se

(A) a contestação apresentada  pelo  réu  limitar-se  a  negar  as consequências jurídicas afirmadas na inicial.

(B) o réu apresentar apenas defesa de mérito indireta, mas, por incompatibilidade lógica, aceitar tacitamente os fatos alegados pelo autor.

(C)  o réu deixar de apresentar defesa, ainda que tenha sido regularmente citado  para  fazê-lo,  e  a  citação  contiver  o mandado e todos os requisitos legais.

(D) um fato alegado pelo autor for apenas implicitamente negado pela resposta apresentada pelo réu em contestação, ainda que considerada como um todo.

(E) a controvérsia sobre o  fato  alegado  pelo  réu  quando  da apresentação da contestação for pertinente, mas não relevante.

O art. 329 do CPC prevê aquilo que a doutrina denomina de "extinção anômala do processo". Eis o dispositivo:

Art. 329. Ocorrendo qualquer das hipóteses previstas nos arts. 267 e 269, II a V, o juiz declarará extinto o processo.

Inicialmente, é importante notar que a regra do art. 329 traz um comando implícito, nos termos do qual o juiz deve buscar, sempre que possível, o julgamento do pedido constante da demanda, salvo quando ocorrerem as hipóteses que autorizam a extinção anômala do processo.

Essas hipóteses, a teor do dispositivo legal supracitado, encontram-se nos arts. 267 e 269 do Código de Processo Civil. In verbis:

Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: 

I - quando o juiz indeferir a petição inicial;

Il - quando ficar parado durante mais de 1 (um) ano por negligência das partes;

III - quando, por não promover os atos e diligências que Ihe competir, o autor abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias;

IV - quando se verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo;

V - quando o juiz acolher a alegação de perempção, litispendência ou de coisa julgada;

Vl - quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual;

VII - pelo compromisso arbitral;

Vll - pela convenção de arbitragem; 

Vlll - quando o autor desistir da ação;

IX - quando a ação for considerada intransmissível por disposição legal;

X - quando ocorrer confusão entre autor e réu;

XI - nos demais casos prescritos neste Código.

Art. 269. Haverá resolução de mérito: 

I - quando o juiz acolher ou rejeitar o pedido do autor;

II - quando o réu reconhecer a procedência do pedido; 

 III - quando as partes transigirem; 

 IV - quando o juiz pronunciar a decadência ou a prescrição; 

 V - quando o autor renunciar ao direito sobre que se funda a ação.

Note o leitor que o art. 267 arrola as hipóteses nas quais cabe a extinção do processo sem resolução de mérito. Já o art. 269 prevê as hipóteses na qual é cabível essa mesma extinção, desta vez, porém, com resolução de mérito.  

Aqui é importante frisar que o legislador, ao disciplinar o instituto da extinção anômala do processo no art. 329 do CPC, excluiu o inc. I do art. 269. Afastou, assim, a hipótese de resolução do mérito que ocorre "quando o juiz acolher ou rejeitar o pedido do autor". A exclusão é coerente: a extinção é "anômala" justamente quando o processo é extinto sem que haja julgamento do pedido (o objeto da demanda).    

Nesse sentido, vejamos um exemplo na jurisprudência do TJSP (grifo meu):

DIREITO DE VIZINHANÇA. Ação de indenização por danos materiais e morais. Explosões em pedreira com reflexos no imóvel do autor. Extinção anômala do processo, por falta de impulso. Inexistência da inércia. Deserção que não pode ser considerada, em razão de sua inocuidade no caso, e mesmo da falta de razão para a extinção anômala do processo. Agravo retido e apelação providos.
(TJ-SP - APL: 992090770608 SP , Relator: Sebastião Flávio, Data de Julgamento: 22/06/2010, 25ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 01/07/2010)

Nessa ementa, nota-se que o recorrente apelou da decisão do juiz de primeiro grau que extinguiu, de forma anômala, o processo, isto é, encerrou o feito sem o julgamento do mérito - fim maior de todo o processo.

Dessa forma, é correto associar a extinção "anômala" do processo com os casos nos quais exista alguma circunstância que impeça o julgamento do pedido. Tal raciocínio pode ser percebido na decisão abaixo, quando o STF determina a extinção anômala do processo por entender que é inadmissível o uso da reclamação constitucional como instrumento destinado a questionar a aplicação, pelo tribunal de origem, do sistema de repercussão geral (grifos meus):

E M E N T A: RECLAMAÇÃO – DECISÃO QUE NEGA TRÂNSITO A RECURSO EXTRAORDINÁRIO PORQUE NÃO RECONHECIDA A EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL DA MATÉRIA CONSTITUCIONAL NELE SUSCITADA – ALEGADA USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DESTA SUPREMA CORTE – INOCORRÊNCIA – INADMISSIBILIDADE DO USO DA RECLAMAÇÃO COMO INSTRUMENTO DESTINADO A QUESTIONAR A APLICAÇÃO, PELO TRIBUNAL DE ORIGEM, DO SISTEMA DE REPERCUSSÃO GERAL – PRECEDENTES FIRMADOS PELO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (RCL 7.547/SP, REL. MIN. ELLEN GRACIE – RCL 7.569/SP, REL. MIN. ELLEN GRACIE – RCL 15.165/MT, REL. MIN. TEORI ZAVASCKI – AI 760.358-QO/SE, REL. MIN. GILMAR MENDES) – INCOGNOSCIBILIDADE DA RECLAMAÇÃO RECONHECIDA PELA DECISÃO AGRAVADA – LEGITIMIDADE – CONSEQUENTE EXTINÇÃO ANÔMALA DO PROCESSO DE RECLAMAÇÃO – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. (STF, Tribunal Pleno, Rcl 9633 AgR/CE, Rel. Min. Celso de Mello, j. 29/05/2013, p. Dje 07/08/2013).     

Do ponto de vista procedimental, a principal consequência jurídica da extinção anômala é permitir que o processo seja finalizado sem que o juiz necessite realizar a audiência preliminar. Isso fica muito claro na ressalva contida na primeira parte do caput do art. 331 do CPC (grifo meu):     

Art. 331. Se não ocorrer qualquer das hipóteses previstas nas seções precedentes, e versar a causa sobre direitos que admitam transação, o juiz designará audiência preliminar, a realizar-se no prazo de 30 (trinta) dias, para a qual serão as partes intimadas a comparecer, podendo fazer-se representar por procurador ou preposto, com poderes para transigir

Chamo a atenção do leitor para o texto no que diz com as "seções precedentes". Ele se refere, assim, às seções I e II do capítulo V do CPC, que versam, respectivamente, sobre "extinção do processo" e "julgamento antecipado da lide".    

A menção ao "julgamento antecipado da lide" serve ao propósito de evidenciar que não é apenas mediante extinção anômala (com ou sem resolução do mérito) que se pode encerrar um processo sem que tenha sido preciso proceder ao agendamento de uma audiência preliminar. Além da hipótese de direitos que não admitem transação, essa audiência também pode ser dispensada quando o juiz puder julgar diretamente o pedido. Neste último caso, o fundamento legal é o art. 330 do CPC:

Art. 330. O juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença: 

I - quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência;  
 
II - quando ocorrer a revelia (art. 319).

Portanto, à luz do art. 330 do CPC, permite-se ao juiz apreciar diretamente o pedido, promovendo o chamado julgamento antecipado do mérito. Duas são as suas hipóteses:

1) quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência; 

2) quando ocorrer revelia (CPC, art. 319). 

Essa é uma técnica notadamente relacionada ao direito fundamental à duração razoável do processo, previsto no art. 5º, LXXVIII, da Constituição:

Art. 5º omissis
 
LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

Dessa norma constitucional, infere-se que o legislador, inspirado pelo direito fundamental à razoável duração do processo, criou a técnica do julgamento antecipado do mérito, a fim de que pudesse evitar a delonga excessiva na prestação jurisdicional, que, como é sabido, só contribui para o descrédito na justiça. Consequentemente, nada mais sensato que a lei autorizar o julgamento imediato daqueles pedidos que não demandem instrução profunda (teoria da causa madura).

Mas, afinal, o que vem a ser questão de mérito unicamente de direito? 

A pergunta é importante, pois se volta à primeira hipótese legal de julgamento antecipado da lide no CPC.

Nesse contexto, doutrinariamente, afirma-se que a questão unicamente de direito surge na defesa de mérito direta, que é aquela por meio da qual o réu, ao defender-se, não agrega fato novo ao processo (caso da defesa de mérito indireta, quando o demandado aduz fato novo que visa a impedir, modificar ou extinguir o direito do demandante). Na defesa de mérito direta, o réu ataca diretamente os fatos e fundamentos jurídicos articulados pelo autor. Pode fazê-lo de duas maneiras: (1) negando a existência/ocorrência dos fatos aduzidos (narrados) pelo autor na petição inicial; ou (2) negando as consequências jurídicas dos fatos trazidos pelo autor em sua ação.    

Anoto para o leitor que a hipótese de negativa das consequências jurídicas é especialmente relevante. Aí não há negativa do substrato fático do pedido do demandante. Na verdade, o réu aceita (acata/concorda) que os fatos aduzidos na petição inicial realmente existiram/ocorreram. O que o demandado faz é tão somente negar que esses fatos, embora existentes, possam produzir as consequências que o autor deseja sejam reconhecidas em juízo. Exemplifico com a hipótese de um contrato: o réu, acionado, admite que a avença, de fato, existiu, mas nega a eficácia atribuída à cláusula contratual objeto de divergência entre os contratantes.  

A conclusão inevitável é a de que, nesses casos de defesa de mérito direta, em que o réu limita-se a negar as consequências jurídicas dos fatos constitutivos do direito do autor, não há controvérsia (disputa) sobre os fatos. Ou seja, a questão posta em juízo é unicamente de direito.   

Foi exatamente essa lição teórica exigida pela banca examinadora na prova. Note o leitor que o comando da questão em comento descreve a hipótese relativa à existência de ação em curso com partes maiores e capazes. Houve citação válida do réu. Pelo procedimento, se os direitos admitissem transação, ou se não fosse o caso de extinção anômala do processo (com ou sem resolução do mérito, respectivamente, com base nos arts. 267 e 269, II a V, do CPC), a demanda deveria seguir seu curso rumo à realização da audiência preliminar, prevista no art. 331 do CPC. Mas isso não será necessário, pois, ao contestar, o réu limitou-se a negar as consequências jurídicas apresentadas na inicial pelo autor. Logo, trata-se de hipótese de defesa de mérito direta perfeitamente enquadrada na primeira parte do inc. I do art. 330 do CPC - isto é, a questão é unicamente de direito (não há controvérsia sobre os fatos), idônea a autorizar o julgamento antecipado do mérito.      

Ante o exposto, é certo concluir que a alternativa correta é a letra A.

Nenhum comentário:

Postar um comentário