quarta-feira, 27 de agosto de 2014

LIMITES AOS ACÓRDÃOS PARADIGMAS COMO CONDIÇÃO PARA O PROCESSAMENTO DOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO PROCESSO CIVIL: uma análise à luz da jurisprudência do STJ

Min. Humberto Martins, relator do EAREsp 166.481/RJ no STJ 
Ouvindo atualmente: "Dream Theater" (2013), de Dream Theater.
Destaque para as faixas "The Enemy Inside" e "The Looking Glass".

 
Existem alguns recursos que têm a finalidade específica de permitir a uniformização da jurisprudência dos tribunais. É o que ocorre com os embargos de divergência. Como o próprio nome revela, sua finalidade principal é superar desentendimentos relativos a um determinado assunto no plano pretoriano. Dessa maneira, o provimento desse tipo de recurso pode implicar a reforma ou a anulação do acórdão embargado, mas sempre com vistas a uniformizar a jurisprudência interna dos tribunais.

Mas não é no âmbito de qualquer tribunal nem a qualquer tempo que se admite a interposição dos embargos de divergência. Segundo o Código de Processo Civil, eles só são cabíveis em sede se recurso especial ou de recurso extraordinário, e desde que respeitado o prazo procedimental de 15 dias, senão vejamos:

Art. 496. São cabíveis os seguintes recursos:

omissis

 VIII - embargos de divergência em recurso especial e em recurso extraordinário.

Art. 508. Na apelação, nos embargos infringentes, no recurso ordinário, no recurso especial, no recurso extraordinário e nos embargos de divergência, o prazo para interpor e para responder é de 15 (quinze) dias.

Assim, como só são cabíveis embargos de divergência em julgamento de REsp e RE, conclui-se logicamente que a interposição desse recurso é restrita, respectivamente, ao âmbito do STJ e do STF.

Outro ponto relevante a esse respeito diz respeito ao órgão interno de julgamento nos tribunais superiores. A doutrina leciona que o cabimento dos embargos de divergência está relacionado à decisão proferida por Turma. Isto é, qualquer julgamento realizado por outro órgão interna corporis do STJ (Seção, Corte Especial) ou do STF (Plenário) não estará apto a autorizar a interposição do recurso. Somente decisão turmária legitima o manejo dos embargos de divergência. Além disso, a decisão que se permite embargar deve ser colegiada (é preciso que ela seja um acórdão), não se admitindo interpor o recurso contra decisão monocrática de relator.

Nesse contexto, importa notar sobretudo que o duplo requisito de admissibilidade do recurso (decisão proferida em sede de REsp ou RE e por Turma julgadora) não se aplica ao acórdão paradigma. Significa dizer que o “julgamento modelo”, utilizado para fundamentar o alegado conflito turmário de entendimentos, pode ter sido proferido por qualquer órgão do STF (Turma ou Plenário) ou do STJ (Turma, Seção ou Corte Especial). O importante mesmo é que haja similitude fática (ou similitude fático-jurídica) entre os acórdãos confrontados. Ou seja, o confronto analítico, que demonstra haver entendimentos diversos entre o acórdão embargado e o acórdão paradigma, deve partir de cognição semelhante (ambas as decisões colegiadas enfrentam o mérito ou ambas enfrentam o juízo de admissibilidade recursal).

Todavia, a jurisprudência do STJ tem cuidado de fixar limites aos arestos que podem servir de paradigma para fins de autorizar o processamento dos embargos de divergência. O exame dos precedentes do tribunal revela que existem três hipóteses de inviabilidade de o acórdão prolatado servir de paradigma, a saber: (1) aresto em mandado de segurança ou em recurso ordinário em mandado segurança, (2) aresto em conflito de competência e (3) aresto em ação rescisória.

Nesse sentido, colho, pela didática, o julgado seguinte (grifo meu):

AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. PARADIGMA PROFERIDO EM AÇÃO RESCISÓRIA. INVIABILIDADE.
1. Nos termos do art. 26 do Regimento Interno deste Superior Tribunal de Justiça, os embargos de divergência são cabível para dirimir dissídio de teses entre decisões colegiadas proferidas em sede de recurso especial.
2. Assim, somente se admite com acórdãos paradigmas os proferidos no âmbito de recurso especial e de agravo de instrumento que examine o mérito do apelo, não sendo aptos a tal finalidade os arestos no âmbito de recurso ordinário em mandado de segurança, conflito de competência e ação rescisória.
3. Agravo regimental que se nega provimento.
(STJ, AgR nos ERsp 793.405/RJ, Rel. Ministra Mari Thereza de Assis Moura, julgado em 27.04.2011, DJe 9.5.2011.)

Tal posicionamento tem sido reiteradamente esposado pelo STJ em seus julgados, como se nota deste precedente relativo a decisão paradigma proferida em sede de MS (grifos meus):

AGRAVO REGIMENTAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. ACÓRDÃO PARADIGMA PROFERIDO EM SEDE DE MANDADO DE SEGURANÇA E DE RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. INVIABILIDADE. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. IMPROVIMENTO.
1.- Os julgados proferidos na sede de mandado de segurança são imprestáveis para viabilizar a oposição dos Embargos de Divergência, sendo certo que este tipo de recurso se presta à uniformização da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no âmbito de recurso especial. Precedentes.
2.- O agravo não trouxe nenhum argumento novo capaz de modificar o decidido, que se mantém por seus próprios fundamentos.
3.- Agravo Regimental improvido.
(STJ, CE - CORTE ESPECIAL, AgRg na Pet: 9755 PE 2013/0037957-7, Relator: Min. Sidnei Beneti, j. 19/06/2013, p. DJe 01/07/2013)

Recentemente a questão voltou a figurar na pauta do STJ. A oportunidade deu-se com o julgamento do agravo regimental nos embargos de divergência em agravo em recurso especial (AgRg nos EAREsp 166.481/RJ). Nesse caso concreto, o agravante se insurgiu contra decisão monocrática que indeferiu liminarmente o processamento do dissídio, em face de reconhecer seu não cabimento quando o paradigma seja proveniente de conflito de competência. Para o agravante, não existiria disposição legal ou regimental que obstasse o conhecimento do seu recurso nessa hipótese. 

Contudo, a tese não convenceu.

             Julgando o caso, o relator, Min. Humberto Martins, observou em seu voto que a alegada divergência entre o acórdão embargado e o aresto paradigma era oriunda de conflito de competência. O confronto analítico buscava identificar a similitude fática entre acórdão proveniente da Primeira Turma, proferido no AREsp 166.481/RJ, de relatoria do Min. Ari Pargendler, e o aresto da Terceira Seção, prolatado nos autos do CC 119.305/SP, de relatoria do Min. Adilson Macabu (Desembargador convocado). Mais uma vez então o julgador aplicou a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça nessa matéria, a concluir pela impossibilidade de conhecimento de embargos de divergência interpostos com fundamento em paradigma proferido em conflito de competência.

             Eis o acórdão (grifo meu):

PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. PARADIGMA PROVENIENTE DE CONFLITO DE COMPETÊNCIA. NÃO CABIMENTO. PRECEDENTES.
1. "Não se presta como paradigma apto a ensejar interposição de embargos de divergência acórdão proferido em conflito de competência." (AgR nos EREsp 904.813/PR, Rel.  Ministro João Otávio de Noronha, Corte Especial, julgado em 5.6.2013,  DJe 7.8.2013).
2. No mesmo sentido: AgR nos ERsp 1.206.723/MG, Rel. Ministro Humberto Martins, Corte Especial, julgado em 18.2013, DJe 6.2014; AgR nos ERsp 793.405/RJ, Rel. Ministra Mari Thereza de Assis Moura, julgado em 27.4.2011, DJe 9.5.2011.
Agravo regimental improvido.

(STJ, CE - CORTE ESPECIAL, EAREsp 166.481/RJ, Rel. Min. Humberto Martins, j. 04/06/2014, p. DJe 17/06/2014).

Portanto, segundo a firme orientação jurisprudencial do STJ, não se admite a interposição de embargos de divergência quando o acórdão utilizado como paradigma pelo embargante tenha sido proferido em sede de conflito de competência, mandado de segurança (e seu respectivo recurso ordinário) e ação rescisória.  

REFERÊNCIAS

BRASIL. Código de Processo Civil. Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 26 de ago. 2014.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgR nos ERsp 793.405/RJ, Rel. Ministra Mari Thereza de Assis Moura, j. 27.04.2011, p. DJe 09.05.2011. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 26 de ago. 2014.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. CE - Corte Especial, AgRg na Pet 9755/PE 2013/0037957-7, Relator: Min. Sidnei Beneti, j. 19/06/2013, p. DJe 01/07/2013. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 26 de ago. 2014.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. CE - CORTE ESPECIAL, EAREsp 166.481/RJ, Rel. Min. Humberto Martins, j. 04/06/2014, p. DJe 17/06/2014. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 26 de ago. 2014.

sábado, 16 de agosto de 2014

RT Comenta: DIREITO CONSTITUCIONAL - Efeitos da medida cautelar em ADO, desistência no processo constitucional objetivo, caráter dúplice da ADI e ADC, irrecorribilidade das decisões no controle de constitucionalidade normativo abstrato


 
Prova: XIV Exame de Ordem da OAB (2014)
Tipo: Objetiva
Banca:

Na seção RT Comenta de hoje, escolhi uma questão muito interessante de Direito Constitucional cobrada no XIV Exame de Ordem Unificado da OAB, elaborado pela banca da Fundação Getúlio Vargas. Como a prova foi aplicada em 03/08/14, ainda não há gabarito oficial. A seguir, apresento minha resposta à questão sobre controle de constitucionalidade no afã de contribuir com os leitores do blogue que se preparam para o Exame de Ordem (sem embargo de que, creio, os comentários são úteis a todos os concurseiros).

Questão 19

No que tange às disposições legais regulamentadoras da ação direta de inconstitucionalidade, da ação direta de inconstitucionalidade por omissão e da ação declaratória de constitucionalidade, assinale a opção correta.

A) A medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade por omissão poderá consistir na suspensão de procedimentos administrativos.

B) O ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade e de ação direta de inconstitucionalidade por omissão não admite desistência. Em razão da presunção de constitucionalidade do ordenamento jurídico, a legislação específica da ação declaratória de constitucionalidade admite desistência.

C) Existindo norma federal objeto, ao mesmo tempo, de ação declaratória de constitucionalidade e de ação direta de inconstitucionalidade, em homenagem ao caráter ambivalente destas ações, será uma delas extinta sem resolução do mérito por litispendência e a outra terá julgamento de mérito.

D) Da decisão proferida na ação declaratória de constitucionalidade caberá, tão somente, a oposição de embargos de declaração e o ajuizamento posterior de ação rescisória.

A fim de resolver essa questão, é preciso recordar que um dos critérios pelos quais a doutrina classifica o controle de constitucionalidade liga-se ao tipo de pretensão deduzida em juízo. Nesse sentido, diz-se que o controle pode ser realizado mediante um processo constitucional objetivo, cuja finalidade principal é a defesa da ordem jurídica objetiva, ou em processo constitucional subjetivo, que se volta para a proteção de direitos subjetivos, isto é, visa a prevenir ou remediar a lesão a direitos concretos, violados em situações concretas.

No processo constitucional objetivo, a defesa da ordem jurídica é a defesa do próprio texto constitucional. Por isso seu objetivo precípuo é a declaração de inconstitucionalidade (ou constitucionalidade, a depender da ação manejada). Para a teoria do controle de constitucionalidade, defende-se objetivamente o Direito Constitucional quando se fiscaliza em tese (em abstrato) a compatibilidade dos atos do Poder Público com o texto da Constituição. Consequentemente, o controle abstrato é aquele que independe de um caso concreto submetido a julgamento pelo Poder Judiciário para ser exercido.

Diante disso, algumas mudanças processuais se apresentam no processo constitucional objetivo. A lógica jurídica da objetividade processual é considerar que o processo não tem partes, ele é unilateral. A rigor, segundo o pensamento doutrinário dominante, quando se trata de fiscalização abstrata da validade dos atos do Poder Público, não existem sujeitos que estejam na relação jurídica processual. Não há quem titularize situações jurídicas processuais ativas e passivas, tampouco quem atue em contraditório na defesa de interesses subjetivos. Daí se afirmar em doutrina que, no processo constitucional objetivo, existe requerente, mas não existe requerido. 

Feitas essas breves considerações teóricas sobre o caráter objetivo do processo constitucional, nas quais quis deixar claro que a objetividade processual no controle abstrato resume-se simplesmente a defender a Constituição (sem priorizar a defesa de interesses do requerente), passo a comentar as alternativas cobradas na questão.

A) A medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade por omissão poderá consistir na suspensão de procedimentos administrativos.

O comando da questão já é explícito quanto ao seu elo com as “disposições legais regulamentadoras da ação direta de inconstitucionalidade, da ação direta de inconstitucionalidade por omissão e da ação declaratória de constitucionalidade”. Tais disposições o leitor encontra na Lei 9.868/99 – vulgarmente conhecida como “Lei das ADIs”. Nesse diploma encontram-se as normas que disciplinam o processo e julgamento da ADI, ADC, ADO. Outros instrumentos agitados no controle concentrado de constitucionalidade têm legislações próprias. É o caso da arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), regulamentada pela Lei 9.882/99, e da ação direta de inconstitucionalidade interventiva ou apenas representação interventiva (RI), prevista na Lei 12.562/11. Reunidas, essas ações (ADI, ADC, ADO, ADPF, RI) compõem o arsenal disponível aos atores legitimados a provocar a jurisdição constitucional do Supremo Tribunal Federal.

Mas a questão fixou-se em cobrar os dispositivos da Lei 9.868/99. No caso da alternativa A, o examinador exigiu conhecimento acerca da medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Vamos observar a íntegra da Seção II do Capítulo II-A do texto de lei aplicável (com a redação dada pela Lei 12.063/09):

Seção II

Da Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão

Art. 12-F.  Em caso de excepcional urgência e relevância da matéria, o Tribunal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, observado o disposto no art. 22, poderá conceder medida cautelar, após a audiência dos órgãos ou autoridades responsáveis pela omissão inconstitucional, que deverão pronunciar-se no prazo de 5 (cinco) dias. 

§ 1º  A medida cautelar poderá consistir na suspensão da aplicação da lei ou do ato normativo questionado, no caso de omissão parcial, bem como na suspensão de processos judiciais ou de procedimentos administrativos, ou ainda em outra providência a ser fixada pelo Tribunal. 

 § 2º  O relator, julgando indispensável, ouvirá o Procurador-Geral da República, no prazo de 3 (três) dias. 

 § 3º  No julgamento do pedido de medida cautelar, será facultada sustentação oral aos representantes judiciais do requerente e das autoridades ou órgãos responsáveis pela omissão inconstitucional, na forma estabelecida no Regimento do Tribunal. 

Art.12-G.  Concedida a medida cautelar, o Supremo Tribunal Federal fará publicar, em seção especial do Diário Oficial da União e do Diário da Justiça da União, a parte dispositiva da decisão no prazo de 10 (dez) dias, devendo solicitar as informações à autoridade ou ao órgão responsável pela omissão inconstitucional, observando-se, no que couber, o procedimento estabelecido na Seção I do Capítulo II desta Lei. 

O leitor pode notar que a redação do § 1º do art. 12-F é clara ao estabelecer que a medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade por omissão pode acarretar as seguintes consequências jurídicas:

1)      no caso de omissão parcial, suspensão da aplicação da lei ou do ato normativo questionado;

2)      suspensão de processos judiciais;

3)      suspensão de procedimentos administrativos;

4)       outra providência a ser fixada pelo Tribunal.

            Na alternativa A, a banca se reporta à terceira das consequências legalmente admitidas quando da concessão da medida cautelar em ADO.    
           Portanto, a alternativa A está correta.

B) O ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade e de ação direta de inconstitucionalidade por omissão não admite desistência. Em razão da presunção de constitucionalidade do ordenamento jurídico, a legislação específica da ação declaratória de constitucionalidade admite desistência.

No Processo Civil, é sabido que o processo pode ser extinto com ou sem resolução de mérito. Na primeira hipótese, aplica-se o art. 269 do CPC. Na segunda, o art. 267 do mesmo código. Vamos observar esses dispositivos:

Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: 

 I - quando o juiz indeferir a petição inicial;

Il - quando ficar parado durante mais de 1 (um) ano por negligência das partes;

III - quando, por não promover os atos e diligências que Ihe competir, o autor abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias;

IV - quando se verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo;

V - quando o juiz acolher a alegação de perempção, litispendência ou de coisa julgada;

Vl - quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual;

Vll - pela convenção de arbitragem; 

Vlll - quando o autor desistir da ação;

IX - quando a ação for considerada intransmissível por disposição legal;

X - quando ocorrer confusão entre autor e réu;

XI - nos demais casos prescritos neste Código.

§ 1º O juiz ordenará, nos casos dos ns. II e Ill, o arquivamento dos autos, declarando a extinção do processo, se a parte, intimada pessoalmente, não suprir a falta em 48 (quarenta e oito) horas.

§ 2º No caso do parágrafo anterior, quanto ao no II, as partes pagarão proporcionalmente as custas e, quanto ao no III, o autor será condenado ao pagamento das despesas e honorários de advogado (art. 28).

§ 3º O juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a sentença de mérito, da matéria constante dos ns. IV, V e Vl; todavia, o réu que a não alegar, na primeira oportunidade em que Ihe caiba falar nos autos, responderá pelas custas de retardamento.

§ 4º Depois de decorrido o prazo para a resposta, o autor não poderá, sem o consentimento do réu, desistir da ação.

Art. 269. Haverá resolução de mérito: 

I - quando o juiz acolher ou rejeitar o pedido do autor;

II - quando o réu reconhecer a procedência do pedido; 

III - quando as partes transigirem; 

IV - quando o juiz pronunciar a decadência ou a prescrição; 

V - quando o autor renunciar ao direito sobre que se funda a ação.

Da leitura desses dispositivos, nota-se que a desistência é um dos meios de extinção do processo sem resolução de mérito. Prevista no inc. VIII, a desistência é ato unilateral mediante o qual o demandante abdica da sua posição processual de autor da demanda. É ato expresso, inequívoco, que, ainda quando parcial (p. ex.: o autor desiste de apenas parte do pedido), reclama a homologação do juiz (CPC, art. 158, parágrafo único). De ordinário, a desistência não depende do consentimento do réu, salvo se já houve resposta (CPC, art. 267, § 4º). Finalmente, quando a sentença já tiver sido proferida, não se admite mais a desistência, pois aí a tutela jurisdicional pleiteada já foi entregue.

Nada disso, todavia, aplica-se ao processo constitucional objetivo. Como afirmei no início, esse tipo de processo sem partes formais guarda certas peculiaridades. Uma delas é justamente não admitir a desistência após o ajuizamento da ação. Para o STF, prevalece no controle abstrato a indisponibilidade da ação, em face da proeminência do interesse público de que se reveste a fiscalização da constitucionalidade das leis e atos normativos do Poder Públicos.

Vejamos algumas decisões nesse sentido (grifos meus):

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. 2. Provimentos da Corregedoria-Geral do Rio Grande do Sul sob nºs 19/92, 1/93 e 14/93, impugnados pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil - ANOREG-BR. 3. Desistência da ação, quanto ao Provimento nº 19/1992, desacolhida, em face do art. 169, § 1º, do RISTF. Após o ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual (CF, art. 102, I, letra "a"), não cabe ao autor dela desistir. 4. Não se conhece, desde logo, da ação, relativamente aos Provimentos nºs 1/1993 e 14/1993, que dispõem sobre a aplicação de leis federais ordinárias. Se impugnação desses Provimentos couber, tal sucederá no plano da legalidade e não no da constitucionalidade. 5. Relativamente ao Provimento nº 19/92, entretanto, a controvérsia é posta na inicial, em face do art. 5º, LXXIV e LXXVI, da Constituição. O ato normativo local é questionado diante de normas constitucionais federais regentes da assistência judiciária e dos limites da gratuidade quanto à obtenção de certidões. Conhece-se da ação, no ponto. 6. Medida cautelar indeferida, quanto ao Provimento nº 19/92, por não demonstrados a relevância dos fundamentos e o "periculum in mora", existindo, inclusive, pedido de desistência. A cautela fica prejudicada na parte em que não conhecida a ação. (STF, Tribunal Pleno, ADI 1368 MC/RS, Rel. Min. Néri da Silveira, j. 19/12/1995, p. DJ 19/12/1995).

E M E N T A: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR - DESISTÊNCIA - IMPOSSIBILIDADE - PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE - PEDIDO DEDESISTÊNCIA INDEFERIDO. - O princípio da indisponibilidade, que rege o processo de controle normativo abstrato, impede - por razões exclusivamente fundadas no interesse público - que o autor da ação direta de inconstitucionalidade venha a desistir do pedido de medida cautelar por ele eventualmente formulado. – (...) (STF, Tribunal Pleno, ADI 892 MC/RS, Rel. Min. Celso de Mello, j. 27/10/1994, p. DJ 07/11/1997).

(...) CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE - PROCESSO DE CARÁTER OBJETIVO - IMPOSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO DE SITUAÇÕES INDIVIDUAIS E CONCRETAS. - O controle normativo de constitucionalidade qualifica-se como típico processo de caráter objetivo, vocacionado, exclusivamente, à defesa, em tese, da harmonia do sistema constitucional. A instauração desse processo objetivo tem por função instrumental viabilizar o julgamento da validade abstrata do ato estatal em face da Constituição da República. O exame de relações jurídicas concretas e individuais constitui matéria juridicamente estranha ao domínio do processo de controle concentrado de constitucionalidade. A tutela jurisdicional de situações individuais, uma vez suscitada a controvérsia de índole constitucional, há de ser obtida na via do controle difuso de constitucionalidade, que, supondo a existência de um caso concreto, revela-se acessível a qualquer pessoa que disponha de interesse e legitimidade (CPC, art. 3º). (...). (RTJ 164/506-509, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno) 

Note o leitor que, apesar de antigas, essas decisões assinalavam a inclinação do tribunal a não admitir a desistência como meio de extinção do processo constitucional objetivo próprio do controle concentrado-abstrato.

Assim, atento à jurisprudência do STF, o legislador brasileiro proibiu expressamente a desistência nas ações diretas do controle normativo abstrato. Colho a seguir os dispositivos na Lei 9.869/99:

Art. 5º Proposta a ação direta, não se admitirá desistência.

Art. 12-D.  Proposta a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, não se admitirá desistência.

Art. 16. Proposta a ação declaratória, não se admitirá desistência.

Pelo visto, segundo a Lei das ADIs, não se admite desistência em autos de ADI, ADO e ADC. Mas cuidado: o mesmo não se pode dizer da ADPF, pois a Lei 9.882/99 não veda a conduta do autor que abdica da sua situação jurídica processual. Já existe até precedente do STF, a admitir a desistência na arguição de descumprimento de preceito fundamental (na ADPF 108/RJ, Rel. Min. Carmen Lúcia, j. 13/04/2007, p. 25/04/2007, determinou-se o arquivamento da arguição, em face de petição de desistência atravessada pelo advogado). Na Lei 12.562/11, que regulamentou a RI, também não há vedação à desistência. 

Em suma, nenhuma das ações diretas mencionadas na alternativa (ADI, ADO, ADC) admite a extinção do processo por desistência do autor, em face da prevalência do princípio da indisponibilidade da ação no processo constitucional objetivo.

Portanto, a alternativa B está errada.

C) Existindo norma federal objeto, ao mesmo tempo, de ação declaratória de constitucionalidade e de ação direta de inconstitucionalidade, em homenagem ao caráter ambivalente destas ações, será uma delas extinta sem resolução do mérito por litispendência e a outra terá julgamento de mérito.

Processualmente, ação dúplice é aquela na qual autor e réu ocupam posições jurídicas ativas e passivas na demanda simultaneamente. Em face disso, a simples defesa do réu já implica o exercício de uma pretensão, independentemente de pedido específico. Logo, a decisão que vier a ser proferida no processo beneficiará alguma das partes litigantes como consequência lógica do pedido elaborado pelo autor. As ações declaratórias constituem exemplo clássico de ação dúplice. E são precisamente as ações de caráter declaratório que permeiam o processo objetivo do controle normativo abstrato de constitucionalidade das leis no Brasil (vale lembrar aqui que o STF perfilha a teoria da nulidade dos atos inconstitucionais, pelo que a decisão no controle de constitucionalidade, de regra, tem efeitos ex tunc, isto é, retroativos, pois apenas se declara que determinado ato normativo nunca foi compatível com a Constituição).   

Assim, a doutrina afirma que a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade são ações declaratórias de caráter dúplice ou ambivalente. Significa dizer que tais ações diretas permitem que o tribunal declare tanto a inconstitucionalidade quanto a constitucionalidade das leis e atos normativos do Poder Público. Por meio da ADI e da ADC qualquer desses resultados pode ser obtido.

Fica fácil entender esse tema quando se parte do seguinte raciocínio: ao julgar improcedente o pedido formulado na ADI, o STF está automaticamente dizendo que a lei é constitucional. Por outro lado, ao julgar improcedente o pedido veiculado na ADC, o STF automaticamente admite que a lei é inconstitucional. Por isso se diz que ADI e ADC são ações com sinais trocados, haja vista a decisão que julga procedente a ADI (sinal positivo) equivaler a uma decisão que julga improcedente uma ADC (sinal negativo) e vice-versa.

Com base nessas premissas é que deve ser interpretado o art. 24 das Lei 9.868/99:

Art. 24. Proclamada a constitucionalidade, julgar-se-á improcedente a ação direta ou procedente eventual ação declaratória; e, proclamada a inconstitucionalidade, julgar-se-á procedente a ação direta ou improcedente eventual ação declaratória.

Vejamos precedente do STF sobre o assunto (grifo meu):

EMENTA: QUESTÃO DE ORDEM. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. JULGAMENTO DE MÉRITO. PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 28 DA LEI 9868/99: CONSTITUCIONALIDADE. EFICÁCIA VINCULANTE DA DECISÃO. REFLEXOS. RECLAMAÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA. 1. É constitucional lei ordinária que define como de eficácia vinculante os julgamentos definitivos de mérito proferidos pelo Supremo Tribunal Federal em ação direta de inconstitucionalidade (Lei 9868/99, artigo 28, parágrafo único). 2. Para efeito de controle abstrato de constitucionalidade de lei ou ato normativo, há similitude substancial de objetos nas ações declaratória de constitucionalidade e direta de inconstitucionalidade. Enquanto a primeira destina-se à aferição positiva de constitucionalidade a segunda traz pretensão negativa. Espécies de fiscalização objetiva que, em ambas, traduzem manifestação definitiva do Tribunal quanto à conformação da norma com a Constituição Federal. 3. A eficácia vinculante da ação declaratória de constitucionalidade, fixada pelo § 2º do artigo 102 da Carta da República, não se distingue, em essência, dos efeitos das decisões de mérito proferidas nas ações diretas de inconstitucionalidade. 4. Reclamação. Reconhecimento de legitimidade ativa ad causam de todos que comprovem prejuízo oriundo de decisões dos órgãos do Poder Judiciário, bem como da Administração Pública de todos os níveis, contrárias ao julgado do Tribunal. Ampliação do conceito de parte interessada (Lei 8038/90, artigo 13). Reflexos processuais da eficácia vinculante do acórdão a ser preservado. 5. Apreciado o mérito da ADI 1662-SP (DJ de 30.08.01), está o Município legitimado para propor reclamação. Agravo regimental provido. (STF, Tribunal Pleno, Rcl 1880 AgR/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 07/11/2002, p. DJ 19/03/2004).

Nota-se que o art. 24 da Lei das ADIs em nenhum momento determina que o STF promova a extinção sem resolução de mérito de qualquer das ações por litispendência. Na verdade, é perfeitamente admissível (e até comum na jurisprudência da Corte Suprema) o julgamento conjunto de ADIs e ADCs que versam sobre os mesmos temas. O caráter dúplice ou ambivalente dessas ações, por si só, não acarreta a extinção do processo.

Portanto, a alternativa C está errada.  

D) Da decisão proferida na ação declaratória de constitucionalidade caberá, tão somente, a oposição de embargos de declaração e o ajuizamento posterior de ação rescisória.

Afirmei no início dos meus comentários que o processo constitucional objetivo tem várias peculiaridades que o diferencial do processo subjetivo de partes. Pois uma dessas diferenciações aparece mais uma vez aqui. Trata-se da irrecorribilidade das decisões.

No processo constitucional objetivo, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em sede de ADI e ADC é irrecorrível, conforme expressa dicção do art. 26 da Lei 9.868/99:

Art. 26. A decisão que declara a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo em ação direta ou em ação declaratória é irrecorrível, ressalvada a interposição de embargos declaratórios, não podendo, igualmente, ser objeto de ação rescisória.

O mesmo raciocínio se aplica à decisão em sede de ADO, pois o art. 26 citado está inserido no capítulo IV da lei, o qual foi abrangido pela norma extensiva inscrita no art. 12-H, § 2º, da Lei das ADIs:

Art. 12-H.  omissis

§ 1º  omissis

§ 2º  Aplica-se à decisão da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, no que couber, o disposto no Capítulo IV desta Lei. 

Assim, à luz do art. 26 da Lei 9.868/99, é correto dizer que, da decisão tomada em sede de ADI, ADO ou ADC, a única exceção à regra da irrecorribilidade é a possibilidade de opor embargos declaratórios, porém, o ajuizamento posterior de ação rescisória é inadmissível.

Portanto, a alternativa D está errada.  
 

domingo, 10 de agosto de 2014

APONTAMENTOS SOBRE A TÉCNICA DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE SEM PRONÚNCIA DE NULIDADE NO JULGAMENTO DAS NORMAS SOBRE NÚMEROS DE DEPUTADOS NO STF: ADIs 4947, 4963, 5020, 5028 e 5130 e ADC 33 vs. LC 78/93 (art. 1º, parágrafo único) e Res. 23.389/13 do TSE

Min. Rosa Weber, defensora da técnica da declaração de inconstitucionalidade
sem pronúncia de nulidade no julgamento das ADIs 4947, 4963, 5020, 5028 e 5130.
Ouvindo atualmente: "El Secreto de Sus Ojos (The Secret In Their Eyes:
Music from the Motion Picture),
de Federico Jusid e Emilio Kauderer. 


No mês de junho de 2014, o Plenário do STF realizou julgamento conjunto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 4947, 4963, 4965, 5020, 5028 e 5130. Em todas essas ADIs, basicamente, os autores impugnavam a constitucionalidade da Resolução nº 23.389/2013 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que “dispõe sobre o número de membros da Câmara dos Deputados e das Assembleias e Câmara Legislativa para as Eleições de 2014”.  

Pois bem. Ao final do julgamento, a maioria dos ministros da Corte considerou inconstitucional o parágrafo único do artigo 1º da Lei Complementar 78/1993, que autoriza o TSE a definir o tamanho das bancadas dos Estados e do Distrito Federal na Câmara dos Deputados. Consequentemente, a Resolução 23.389/2013, editada com base naquele dispositivo, também foi considerada inconstitucional.

Nesse importante precedente, quero analisar alguns aspectos interessantes do julgado, especialmente no que se refere à técnica da modulação de efeitos no controle abstrato de constitucionalidade.    

Inicialmente, é preciso frisar que não houve quorum para que o Plenário realizasse a modulação de efeitos da decisão tomada na análise conjunta do mérito das ADIs. Aqui vale relembrar o teor do art. 27 da Lei 9.868/99, que regula o processo e julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal:

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

Note o leitor que a maioria de dois terços referida na redação acima equivale, na prática, ao voto de 8 (oito) ministros da Suprema Corte. No julgamento em apreço, tal patamar não foi atingido. Assim, como o quorum do art. 27 da Lei das ADIs não foi alcançado (o Min. Joaquim Barbosa não aderiu à corrente que propunha a modulação), o Plenário do STF, por maioria, decidiu acompanhar o entendimento da ministra Rosa Weber, a qual propugnou, com fundamento no princípio da segurança jurídica e da anualidade, a declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade. Diante disso, o Tribunal adotou os critérios estabelecidos na Resolução 23.389/2013, enquanto não for editada nova lei complementar.

A adoção da técnica da declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade remete às múltiplas possibilidades de modulação de efeitos da decisão no controle de constitucionalidade concentrado-abstrato. Essa modulação é relevante no contexto brasileiro, cujo sistema normativo de fiscalização abstrata da validade dos atos do Poder Público tradicionalmente adota teoria estadunidense da nulidade da lei inconstitucional. Segundo essa teorização, a decisão declaratória de inconstitucionalidade tem eficácia retroativa (ex tunc), haja vista apenas reconhecer uma situação preexistente, qual seja, a de que a norma é nula de pleno direito. Logo, o ato considerado inválido à luz da Constituição não produz efeitos nem pode ser convalidado.

Ocorre que a aplicação pura e simples da teoria estadunidense da nulidade do ato inconstitucional acarreta problemas. Com efeito, nem sempre a eficácia ex tunc pode desfazer as consequências de ordem prática que a aplicação da norma inválida acarretou durante o período de sua vigência. Disso surgiu a necessidade de se proceder a uma relativização da teoria da nulidade. Eis então o advento das técnicas da modulação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade no Direito brasileiro.

Nesse contexto é que o legislador inseriu o já citado art. 27 na Lei 9.868/99. Seu propósito é assegurar a modulação da declaração de inconstitucionalidade, facultando ao STF as possibilidades seguintes:

(1) Declaração de inconstitucionalidade com efeitos ex nunc: a Corte Suprema define que a declaração de inconstitucionalidade vale a partir do trânsito em julgado da decisão;

(2) Declaração de inconstitucionalidade com efeito pro futuro: a sentença que declara a inconstitucionalidade fixa um período de tempo no qual a decisão tem seus efeitos suspensos;

(3) Declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia de nulidade: a Corte Suprema reconhece que a norma é inconstitucional, mas a mantém no ordenamento jurídico até que nova lei seja editada em sua substituição. Isto é, a eficácia da lei fica suspensa até que o legislador manifeste-se sobre a situação inconstitucional.

Foi justamente essa última técnica de interpretação que o STF empregou no julgamento conjunto das ADIs 4947, 4963, 4965, 5020, 5028 e 5130. Como visto, a maioria dos ministros acompanhou o voto da Min. Rosa Weber, a qual defendeu que fosse declarada a inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade do parágrafo único do art. 1º da LC 78/93.

Esse pensamento veio a predominar na Corte, em face de o Plenário ter entendido que o afastamento ex tunc do dispositivo impugnado nas ações diretas criaria um vácuo normativo altamente prejudicial à Constituição. Por sinal, este é o cerne da adoção da técnica da declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade: evitar que a supressão pura e simples do ato normativo do Poder Público possa gerar um vácuo jurídico (ausência de regra apta a regular a situação normatizada) que se mostra, no caso concreto, bem mais danoso ao texto constitucional que a própria manutenção da norma invalidada. Logo, mediante a declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade, o STF acaba optando pelo raciocínio “dos males, o menor”. A bem dizer, faz menos mal à Constituição a mantença do ato inconstitucional que a sua total exclusão do sistema normativo, dado o risco causado pelo vácuo normativo para a regulação da vida em sociedade.

domingo, 3 de agosto de 2014

DA INEXISTÊNCIA DE FORO PRIVILEGIADO NAS AÇÕES DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA: estudo a partir do entendimento jurisprudencial do STF e do STJ

Min. Arnaldo Esteves Lima, relator da Rcl 18424/SP no STKJ.
Ouvindo atualmente: "Mazurka Choro" (Heitor Villa-Lobos)
no arranjo para duo de violão e baixo acústico de Yamandu Costa e Guto Wirtti.
Lindíssimo arranjo para uma das peças clássicas do repertório violonístico mundial
e uma das mais bonitas melodias compostas
pelo maior músico brasileiro de todos os tempos:
o inigualável maestro Heitor Villa-Lobos.

A Constituição de 1988 estabeleceu algumas hipóteses de privilégio de foro em favor de determinadas autoridades públicas. São casos nos quais a demanda proposta contra o privilegiado não será ajuizada perante um juízo monocrático de hierarquia inferior, mas sim diante de um Tribunal, que pode ou não ser superior.

É evidente que tal privilégio não é compatível com o princípio da isonomia que deve preponderar em um Estado Republicano. Apesar disso, seguindo a tradição das Cartas constitucionais anteriores, o constituinte brasileiro de 1988 manteve o privilégio de foro no texto da Constituição vigente.

Um exemplo evidente disso é o Estatuto dos Congressistas, que contempla o regime jurídico aplicável aos membros do Congresso Nacional. Nesse sentido, o texto constitucional abarca normas que dispõem acerca do privilégio de foro dos Senadores e Deputados. O art. 53, § 1º (com a redação dada pela EC nº 35/01), é exemplo categórico:

Art. 53 omissis

§ 1º Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal.     

Ou seja, os congressistas fazem jus a um privilégio de foro, qual seja, o de serem julgados originariamente perante a Corte Suprema do País.

Aprofundando-se um pouco mais o assunto, vai-se descobrir que não são todas as ações propostas contra membros do Congresso Nacional que atraem o privilégio de foro. Nos termos do art. 102, I, b, da CF/88, somente as ações penais comuns deflagradas contra congressistas impõem a competência (originária) para julgamento do Supremo Tribunal Federal.

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

omissis

b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República;

A partir desse raciocínio, é forçoso concluir que todas as ações de natureza civil não importarão a atração da regra do privilégio de foro, que, justamente por ser um privilégio (uma exceção ao princípio da isonomia republicana), reclama interpretação restritiva. Disso se conclui que a ação de improbidade administrativa, que tem natureza de ação civil pública, não se enquadra na regra inscrita no § 1º do art. 53. Logo, eventual ação de improbidade proposta contra Deputados ou Senadores deverá ser julgada perante as instâncias ordinárias, e não perante o STF.

É notório que o foro privilegiado (que alguns doutrinadores tentam disfarçar seu caráter discriminatório com a expressão “foro por prerrogativa de função”) incomoda agentes políticos que falham no seu dever constitucional. São estes os principais interessados em valer-se do foro no STF, desejosos de serem beneficiados pela lentidão nos julgados de uma Corte Suprema que conta com apenas 11 ministros em sua composição (CF, art. 101).

Por esse motivo é que os membros do Congresso Nacional, por meio da Lei 10.628/02, incluíram na redação do art. 84 do Código de Processo Penal dois parágrafos mui convenientes:

Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles por crimes comuns e de responsabilidade. 

§ 1º A competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública. 

 § 2º A ação de improbidade, de que trata a Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992, será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública, observado o disposto no § 1º. 

Legislando em causa própria, todavia, o Parlamento não contava com a intervenção do guardião da Constituição, que entendia pacificamente que cabe exclusivamente ao legislador constituinte estabelecer hipóteses de competência originária. Caso contrário, o legislador subalterno poderia retirar força normativa da estrutura federal de Estado – que, como sabemos, está estreitamente ligada à repartição competencial.

Sendo assim, o STF veio a declarar, no julgamento da ADI 2797/DF, a inconstitucionalidade dos §§ 1º e 2º que foram acrescentados ao art. 84 do CPP pelo legislador infraconstitucional.

Colaciono o inteiro teor da ementa desse importante julgado (grifos meus):

I. ADIn: legitimidade ativa: "entidade de classe de âmbito nacional" (art. 103, IX, CF): Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP. 1. Ao julgar, a ADIn 3153-AgR, 12.08.04, Pertence, Inf STF 356, o plenário do Supremo Tribunal abandonou o entendimento que excluía as entidades de classe de segundo grau - as chamadas "associações de associações" - do rol dos legitimados à ação direta. 2. De qualquer sorte, no novo estatuto da CONAMP - agora Associação Nacional dos Membros do Ministério Público - a qualidade de "associados efetivos" ficou adstrita às pessoas físicas integrantes da categoria, - o que basta a satisfazer a jurisprudência restritiva-, ainda que o estatuto reserve às associações afiliadas papel relevante na gestão da entidade nacional.

II. ADIn: pertinência temática. Presença da relação de pertinência temática entre a finalidade institucional das duas entidades requerentes e os dispositivos legais impugnados: as normas legais questionadas se refletem na distribuição vertical de competência funcional entre os órgãos do Poder Judiciário - e, em conseqüência, entre os do Ministério Público.

III. Foro especial por prerrogativa de função: extensão, no tempo, ao momento posterior à cessação da investidura na função dele determinante. Súmula 394/STF (cancelamento pelo Supremo Tribunal Federal). Lei 10.628/2002, que acrescentou os §§ 1º e 2º ao artigo 84 do C. Processo Penal: pretensão inadmissível de interpretação autêntica da Constituição por lei ordinária e usurpação da competência do Supremo Tribunal para interpretar a Constituição: inconstitucionalidade declarada. 1. O novo § 1º do art. 84 CPrPen constitui evidente reação legislativa ao cancelamento da Súmula 394 por decisão tomada pelo Supremo Tribunal no Inq 687-QO, 25.8.97, rel. o em. Ministro Sydney Sanches (RTJ 179/912), cujos fundamentos a lei nova contraria inequivocamente. 2. Tanto a Súmula 394, como a decisão do Supremo Tribunal, que a cancelou, derivaram de interpretação direta e exclusiva da Constituição Federal. 3. Não pode a lei ordinária pretender impor, como seu objeto imediato, uma interpretação da Constituição: a questão é de inconstitucionalidade formal, ínsita a toda norma de gradação inferior que se proponha a ditar interpretação da norma de hierarquia superior. 4. Quando, ao vício de inconstitucionalidade formal, a lei interpretativa da Constituição acresça o de opor-se ao entendimento da jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal - guarda da Constituição -, às razões dogmáticas acentuadas se impõem ao Tribunal razões de alta política institucional para repelir a usurpação pelo legislador de sua missão de intérprete final da Lei Fundamental: admitir pudesse a lei ordinária inverter a leitura pelo Supremo Tribunal da Constituição seria dizer que a interpretação constitucional da Corte estaria sujeita ao referendo do legislador, ou seja, que a Constituição - como entendida pelo órgão que ela própria erigiu em guarda da sua supremacia -, só constituiria o correto entendimento da Lei Suprema na medida da inteligência que lhe desse outro órgão constituído, o legislador ordinário, ao contrário, submetido aos seus ditames. 5. Inconstitucionalidade do § 1º do art. 84 C.Pr.Penal, acrescido pela lei questionada e, por arrastamento, da regra final do § 2º do mesmo artigo, que manda estender a regra à ação de improbidade administrativa.

IV. Ação de improbidade administrativa: extensão da competência especial por prerrogativa de função estabelecida para o processo penal condenatório contra o mesmo dignitário (§ 2º do art. 84 do C Pr Penal introduzido pela L. 10.628/2002): declaração, por lei, de competência originária não prevista na Constituição: inconstitucionalidade. 1. No plano federal, as hipóteses de competência cível ou criminal dos tribunais da União são as previstas na Constituição da República ou dela implicitamente decorrentes, salvo quando esta mesma remeta à lei a sua fixação. 2. Essa exclusividade constitucional da fonte das competências dos tribunais federais resulta, de logo, de ser a Justiça da União especial em relação às dos Estados, detentores de toda a jurisdição residual. 3. Acresce que a competência originária dos Tribunais é, por definição, derrogação da competência ordinária dos juízos de primeiro grau, do que decorre que, demarcada a última pela Constituição, só a própria Constituição a pode excetuar. 4. Como mera explicitação de competências originárias implícitas na Lei Fundamental, à disposição legal em causa seriam oponíveis as razões já aventadas contra a pretensão de imposição por lei ordinária de uma dada interpretação constitucional. 5. De outro lado, pretende a lei questionada equiparar a ação de improbidade administrativa, de natureza civil (CF, art. 37, § 4º), à ação penal contra os mais altos dignitários da República, para o fim de estabelecer competência originária do Supremo Tribunal, em relação à qual a jurisprudência do Tribunal sempre estabeleceu nítida distinção entre as duas espécies. 6. Quanto aos Tribunais locais, a Constituição Federal -salvo as hipóteses dos seus arts. 29, X e 96, III -, reservou explicitamente às Constituições dos Estados-membros a definição da competência dos seus tribunais, o que afasta a possibilidade de ser ela alterada por lei federal ordinária.

V. Ação de improbidade administrativa e competência constitucional para o julgamento dos crimes de responsabilidade. 1. O eventual acolhimento da tese de que a competência constitucional para julgar os crimes de responsabilidade haveria de estender-se ao processo e julgamento da ação de improbidade, agitada na Rcl 2138, ora pendente de julgamento no Supremo Tribunal, não prejudica nem é prejudicada pela inconstitucionalidade do novo § 2º do art. 84 do C.Pr.Penal. 2. A competência originária dos tribunais para julgar crimes de responsabilidade é bem mais restrita que a de julgar autoridades por crimes comuns: afora o caso dos chefes do Poder Executivo - cujo impeachment é da competência dos órgãos políticos - a cogitada competência dos tribunais não alcançaria, sequer por integração analógica, os membros do Congresso Nacional e das outras casas legislativas, aos quais, segundo a Constituição, não se pode atribuir a prática de crimes de responsabilidade. 3. Por outro lado, ao contrário do que sucede com os crimes comuns, a regra é que cessa a imputabilidade por crimes de responsabilidade com o termo da investidura do dignitário acusado. (STF, Tribunal Pleno, ADI 2797/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 15/09/2005, p. DJ 19/12/2006).

Em razão desse julgado, a jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal tem se manifestado, de forma pacífica, pela inexistência de foro privilegiado nas ações de improbidade administrativa ajuizadas contra membros do Congresso Nacional. Colaciono (grifos meus):

EMENTA: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. EFEITOS INFRINGENTES. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. CONSTITUCIONAL. 1. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA CONTRA DEPUTADO FEDERAL: AUSÊNCIA DE FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. 2. RECEBIMENTO DA AÇÃO. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA N. 279 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. (STF, Segunda Turma, ARE 806.293 ED/DF, Rel. Min. Carmen Lúcia, j. 03/06/2014, p. DJe 13/06/2014).

EMENTA Recurso ordinário em habeas corpus. Crime de responsabilidade de prefeito. Peculato (art. 1º, inciso I, do DL 201/67). Aventada incompetência do Tribunal de Justiça local para julgar ex-detentor de cargo dotado de prerrogativa de foro. Inconstitucionalidade do disposto nos §§ 1º e 2º do art. 84 do CPP reconhecida pela Suprema Corte na ADI nº 2.7987/DF. Modulação dos efeitos da decisão para assentar sua eficácia a partir de 15/9/2005, preservada a validade dos atos processuais anteriormente praticados em ações de improbidade, inquéritos ou ações penais contra ex-ocupantes de cargos dotados de prerrogativa de foro. Possibilidade. Recurso não provido. 1. A Suprema Corte, ao julgar os embargos de declaração opostos na ADI nº 2.797/DF, modulou os efeitos da declaração de inconstitucionalidade do § 1º do art. 84 do Código de Processo Penal, com a redação conferida pela Lei nº 10.628/02, assentando sua eficácia somente a partir de 15/9/2005 (data do julgamento da ADI), preservando-se, assim, a validade dos atos processuais praticados em ações de improbidade, inquéritos ou ações penais ainda em curso contra ex-ocupantes de cargos com foro específico. 2. Não há, por consequência, como reconhecer-se a ilegalidade da modulação empreendida, a pretexto de que a convalidação dos atos praticados perante o Tribunal estadual importaria em violação dos direitos individuais do paciente, situação essa devidamente considerada e repelida diante na decisão modulatória transversamente impugnada. 3. Recurso não provido. (STF, Primeira Turma, RHC 117.809/SC, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 17/12/2013, p. DJe 28/02/2014).

EMENTA AGRAVO REGIMENTAL. PETIÇÃO. AÇÃO CIVIL ORIGINÁRIA. AUSÊNCIA DE CARÁTER PENAL. PROTESTO VEICULADO CONTRA MINISTROS DE ESTADO. AUSÊNCIA DE COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Insuperável o óbice oposto na decisão agravada, pacificado o entendimento de que falece a esta Suprema Corte competência para apreciar ação civil pública originária - mesmo na hipótese em que dirigida contra Ministros de Estado -, à míngua de previsão no rol taxativo do art. 102 da Carta Política, bem como destituída de caráter penal a medida quanto à improbidade administrativa. Precedentes do Tribunal Pleno desta Suprema Corte (Rcl 2138, Rel. Min. NELSON JOBIM, Relator para acórdão Min. GILMAR MENDES, DJe-070 18-04-2008; Pet AgR 4089, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJe-022 PUBLIC 01-02-2013; Pet 4076 AgR, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, DJe-162 PUBLIC 14-12-2007; Pet 4071 AgR, Rel. Min. EROS GRAU, DJe-227 PUBLIC 28-11-2008;Pet 4074 AgR, Rel. Min. CEZAR PELUSO, DJe-117 PUBLIC 27-06-2008; Pet 4099 AgR, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe-084 PUBLIC 08-05-2009; Pet 4092 AgR, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, DJe-186 PUBLIC 02-10-2009). Agravo regimental conhecido e não provido. (STF, Tribunal Pleno, PET 4314 AgR/DF, Rel. Min. Rosa Weber, j. 19/06/2013, p. DJe 15/08/2013).

Já pacificado no STF, o entendimento que defenda a inexistência de privilégio de foro nas ações de improbidade administrativa também encontra idêntica aceitação junto ao Superior Tribunal de Justiça. É o que se nota da ementa deste julgado, decidido à unanimidade, pela Corte Especial daquele tribunal superior:

PROCESSO CIVIL. COMPETÊNCIA. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.

A ação de improbidade administrativa deve ser processada e julgada nas instâncias ordinárias, ainda que proposta contra agente político que tenha foro privilegiado no âmbito penal e nos crimes de responsabilidade. Reclamação improcedente. (STJ, Corte Especial, Rcl 12514/MT, Rel. Min. Ari Pargendler, j. 13/03/2014, p. DJe 21/03/2014).

Em julgamento recente, tal jurisprudência foi aplicada pelo Min. Arnaldo Esteves Lima, do Superior Tribunal de Justiça, para indeferir pedido de liminar formulado nos autos da reclamação 18424/SP. Nesse precedente, o reclamante, que é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, insurgiu-se contra decisão da Vara da Fazenda Pública da capital paulista em ação cautelar de exibição promovida pelo MPSP. Alegou o reclamante que, em face da sua condição de conselheiro de TCE, seria detentor de foro privilegiado no STJ, tal como previsto no art. 105, I, a, da CF/88:

                          Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

                          I - processar e julgar, originariamente:

a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais;

É evidente que os argumentos expostos na reclamação não subsistem. Já vimos que a ação de improbidade administrativa tem natureza civil. Consequentemente, é pacífico o entendimento dos Tribunais Superiores – STJ e STF – quando ao não cabimento do privilégio de foro nessas demandas, ainda que propostas contra agentes políticos.

Portanto, não se admitindo foro privilegiado, é inevitável a conclusão de que as ações de improbidade administrativa devem ser julgadas perante as instâncias ordinárias. Assim, fica afastada a competência originária do STF como do STJ para o julgamento dessas ações de natureza civil.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 03 de ago. 2014.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 03 de ago. 2014.
 
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Rcl 12514/MT, Corte Especial, Rel. Min. Ari Pargendler, j. 13/03/2014, p. DJe 21/03/2014. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 03 de ago. 2014.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 2797/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 15/09/2005, p. DJ 19/12/2006. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 03 de ago. 2014.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ARE 806.293 ED/DF, Segunda Turma, Rel. Min. Carmen Lúcia, j. 03/06/2014, p. DJe 13/06/2014. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 03 de ago. 2014.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RHC 117.809/SC, Primeira Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 17/12/2013, p. DJe 28/02/2014. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 03 de ago. 2014.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. PET 4314 AgR/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Rosa Weber, j. 19/06/2013, p. DJe 15/08/2013. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 03 de ago. 2014.