quarta-feira, 2 de setembro de 2015

SÉRIE ESTUDOS SOBRE O NCPC (Parte II): Notas sobre a aferição da tempestividade do recurso interposto pelos correios no Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/15)

 
Ouvindo atualmente: "MUFFAT: Concerti Grossi Nos. 1-6(1993),
do ensemble Musica Aeterna Bratislava, sob a regência de Peter Zajíček.
O francês Georg Muffat (1653-1704) foi um
dos maiores compositores do período barroco.
Nesse álbum, é possível conhecer os doze "Concerti Grossi"
que ele compôs como músico da corte francesa. 



Um problema comum na prática advocatícia dá-se em relação aos recursos interpostos fora dos grandes centros urbanos. O Brasil, cujo território possui dimensão continental, facilita a ocorrência de situações nas quais, não raro, a única maneira de que dispõe o advogado, para ter acesso à via recursal, é o sistema de correios (ECT).

Nessas circunstâncias, surge a hipótese do recurso interposto pelos correios, o que repercute diretamente nos pressupostos extrínsecos de admissibilidade recursal. Para ser mais específico, haverá um problema na aferição da tempestividade.

A tempestividade é o pressuposto extrínseco do recurso que condiciona a sua admissibilidade à observância do prazo previsto em lei. Recurso tempestivo, portanto, é o recurso interposto dentro do prazo legal. Em consequência disso, transcorrido in albis o lapso de tempo, sem que a parte tenha manejado instrumento de impugnação da decisão judicial, dar-se-á a preclusão.    

A preclusão do direito de recorrer, aqui entendida na acepção da perda de um direito processual ante o seu não exercício em tempo hábil, é ainda estimulada por força da peremptoriedade dos prazos recursais. Prazo peremptório é aquele que não comporta alteração pela vontade das partes. A bem dizer, os prazos - previstos em lei para a interposição dos recursos - não podem ser prorrogados, suspensos ou interrompidos. A única ressalva fica por conta de determinadas situações excepcionais, concretamente verificadas, caracterizadoras de justa causa, nos moldes dos §§ 1º e 2º do art. 223 do CPC/15:

Art. 223.  Decorrido o prazo, extingue-se o direito de praticar ou de emendar o ato processual, independentemente de declaração judicial, ficando assegurado, porém, à parte provar que não o realizou por justa causa.

§ 1º Considera-se justa causa o evento alheio à vontade da parte e que a impediu de praticar o ato por si ou por mandatário.

§ 2º Verificada a justa causa, o juiz permitirá à parte a prática do ato no prazo que lhe assinar.

No entanto, não demonstrada a justa causa (força maior) pela parte, o prazo recursal peremptório, transcorrido sem a interposição do recurso cabível, acarretará invariavelmente a preclusão do direito de recorrer.   

Ao lado da preclusão do direito de recorrer pela não interposição do recurso, é comum também a hipótese de a parte interpor o recurso, porém fora do prazo legal. Em tais casos, o recurso não será admitido, porquanto intempestivo.  

Na prática forense, essa segunda hipótese de inadmissibilidade recursal agrava-se quando se trata da advocacia exercida em municípios pequenos. Dada a já referida dimensão continental do território brasileiro, sucede muita vez de o Poder Judiciário não estar estruturado em todas as localidades, sobretudo nos rincões mais distantes. Evidentemente, esse impedimento geográfico não tem o condão de invalidar o direito fundamental à ampla defesa (CF, art. 5º, LV), realizado por meio do princípio do duplo grau de jurisdição naqueles casos em que a lei faculte à parte a chance de revisão da decisão (sentença ou acórdão) proferida como solução para a causa. Por isso, a prática forense admite a possibilidade de o advogado interpor o recurso pelos correios, em ordem a viabilizar o acesso às instâncias recursais.

O grande problema que advém dessa situação diz respeito à contagem do prazo legal, a fim de aferir-se a tempestividade do recurso.

Assim, quando do exercício do juízo de admissibilidade recursal, impunha-se esta reflexão: nas hipóteses de recurso interposto pelo sistema postal, a tempestividade do prazo seria aferida da data da postagem na agência dos correios ou, ao revés, da data de apresentação no protocolo do tribunal de origem? Em outras palavras, nos casos de recurso remetido ao tribunal pelos correios, o julgador deve considerar a data da interposição como sendo a data em que o recurso foi postado na agência ou a data em que ele foi recebido na secretaria do tribunal?  

Debruçando-se sobre a questão, o Superior Tribunal de Justiça pacificou a tese favorável à inviabilidade da aferição da tempestividade do recurso pela data de postagem nos correios, conforme consagrado no enunciado nº 216 da sua súmula de jurisprudência:  

STJ, Súmula 216 - A tempestividade de recurso interposto no Superior Tribunal de Justiça é aferida pelo registro no protocolo da secretaria e não pela data da entrega na agência do correio. (Súmula 216, Corte Especial, julgado em 03/02/1999, DJ 01/03/1999)

Salta aos olhos tratar-se de uma tese pretoriana injusta, na medida em que condiciona o acesso às instâncias recursais a uma condição fática que independe da diligência do advogado (a eficiência do sistema de correios brasileiro). Dessa maneira, o enunciado nº 216 causa prejuízo notório ao princípio do duplo grau de jurisdição e, consequentemente, à ampla defesa.

Apesar da sua injustiça flagrante, até hoje essa tese é aplicada pacificamente pelo STJ no juízo de admissibilidade dos recursos. Colaciono alguns precedentes (grifos meus):

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TEMPESTIVIDADE DO RECURSO ESPECIAL. DATA DO PROTOCOLO, NA SECRETARIA DO TRIBUNAL DE ORIGEM. IMPOSSIBILIDADE DE AFERIÇÃO PELA DATA DE POSTAGEM, NOS CORREIOS (ECT). INCIDÊNCIA DA SÚMULA 216 DO STJ. RECURSO ESPECIAL ENVIADO, AO TRIBUNAL DE ORIGEM, VIA E-MAIL. MEIO ELETRÔNICO QUE NÃO SE EQUIPARA AO FAC-SÍMILE, PARA FINS DE APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ART. 1° DA LEI 9.800/99. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
I. É assente, no Superior Tribunal de Justiça, o entendimento de que a data da postagem, em agência dos Correios (ECT), não é considerada, para fins de apuração da tempestividade do Recurso Especial, mas, sim, a data em que foi realizado o seu protocolo, no Tribunal a quo. Precedentes: AgRg no AREsp 25.921/RS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, DJe de 02/03/2015; AgRg no AREsp 534.233/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 27/11/2014; AgRg no AREsp 544.855/ES, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 14/10/2014.
II. Aplica-se o enunciado 216 da Súmula do STJ aos recursos de sua competência, provenientes de Tribunais de 2º Grau.
III. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que "o envio de petição ao Tribunal via e-mail não configura meio eletrônico equiparado ao fac-símile, para fins da aplicação do disposto no art. 1° da Lei 9.800/1999" (AgRg nos Edcl no AREsp 235.805/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, DJe de 22/08/2013).
IV. Agravo Regimental improvido.
(STJ, T2 – Segunda Turma, AgRg no AREsp 511.644/MG, Rel. Min. Assusete Magalhães, j. 21/05/2015, p. DJe 29/05/2015).    


AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INTEMPESTIVIDADE. PETIÇÃO ENVIADA VIA E-MAIL. NÃO EQUIPARAÇÃO AO FAX. PETIÇÃO POSTADA NA AGÊNCIA DOS CORREIOS. SERVIÇO DE PROTOCOLO POSTAL PREVISTO NA RESOLUÇÃO 642/2010-TJMG NÃO ATENDIDO. SÚMULA 216 DO STJ. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. O envio de petição ao Tribunal por e-mail não configura meio eletrônico equiparado ao fax, para fins da aplicação do disposto no art. 1º da Lei 9.800/99, não possuindo o condão de afastar a intempestividade do recurso. Precedentes.
2. Nos termos da Súmula n. 216/STJ, "a tempestividade de recurso interposto no Superior Tribunal de Justiça é aferida pelo registro no protocolo da Secretaria e não pela data da entrega na agência do Correio".
3. A Resolução nº 642/2010 do TJMG, que instituiu o protocolo postal, na redação dada pela Resolução nº 6655/2011 do TJMG, estabelece que "as petições deverão ser protocolizadas nas agências dos Correios do Estado de Minas Gerais", situação não atendida neste caso.
4. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STJ, T4 – Quarta Turma, AgRg no AREsp 299.508/MG, Rel. Min. Isabel Gallotti, j. 12/05/2015, p. DJe 19/05/2015).   

Felizmente, a injustiça dessa tese pacificada pelo STJ restou superada pela Lei 13.105/15 (Novo Código de Processo Civil), que, ao dispor acerca do cômputo dos prazos para interposição de recurso, abraçou no § 4º do seu art. 1.003 orientação em sentido diametralmente oposto. In verbis:

Art. 1.003.  omissis

[...]

§ 4º Para aferição da tempestividade do recurso remetido pelo correio, será considerada como data de interposição a data de postagem.


Portanto, à luz do § 4º do art. 1.003 do CPC/15, tem-se que, sempre que o recurso for interposto pelos correios, a apuração da tempestividade do recurso especial remetido ao STJ far-se-á a partir da data de postagem em agência dos correios (ECT), e não mais da data do protocolo realizado perante o tribunal a quo. Logo, está cabalmente superada a atual “súmula 216” do STJ, a implicar a imperiosa necessidade do seu cancelamento pelo tribunal.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 02 de set. 2015.

BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 02 de set. 2015.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 216, j. 03/02/199, p. DJ 01/03/1999. Disponível em:www.stj.jus.br. Acesso em: 23 de ago. 2015.    

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. STJ, T2 – Segunda Turma, AgRg no AREsp 511.644/MG, Rel. Min. Assusete Magalhães, j. 21/05/2015, p. DJe 29/05/2015). Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 23 de ago. 2015.   

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. T4 – Quarta Turma, AgRg no AREsp 299.508/MG, Rel. Min. Isabel Gallotti, j. 12/05/2015, p. DJe 19/05/2015). Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 23 de ago. 2015.       

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