quarta-feira, 19 de outubro de 2016

RT COMENTA: DIREITO CIVIL - Contrato de Locação (Lei do Inquilinato)




 Questão:
Professor, o fiador é responsável pela obrigação locatícia quando, em contrato de aluguel vencido, renovado por presunção legal, constar cláusula de obrigação até a entrega das chaves?
 
 
O contrato de fiança é regido pelo Código Civil (art. 818 e ss.), ao passo que o contrato de locação de imóvel urbano é regulado pela Lei do Inquilinato (Lei 8.245/91 - LI). No contexto do Direito dos Contratos, portanto, a pergunta do leitor está a referir-se, teoricamente, à extensão da garantia fidejussória; ou, por outras palavras, aos limites da obrigação do fiador nos contratos de locação de imóveis urbanos, já que a fiança é uma das garantias locatícias (LI, art. 37, II).

Esse tema despertou funda controvérsia na doutrina e jurisprudência brasileiras. O motivo era a redação original do art. 39 da LI, que dispunha:

Art. 39. Salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel. 

A redação ambígua do texto legal não explicitava, de modo insofismável, se o fiador do locatário estava obrigado a garantir a obrigação na hipótese de prorrogação do contrato por prazo indeterminado - à qual o leitor se referiu com a expressão “renovado por presunção legal” -, prevista nos arts. 46 e 47, caput, 1º parte, da LI:

Art. 46. Nas locações ajustadas por escrito e por prazo igual ou superior a trinta meses, a resolução do contrato ocorrerá findo o prazo estipulado, independentemente de notificação ou aviso.
§ 1º Findo o prazo ajustado, se o locatário continuar na posse do imóvel alugado por mais de trinta dias sem oposição do locador, presumir - se - á prorrogada a locação por prazo indeterminado, mantidas as demais cláusulas e condições do contrato.
§ 2º Ocorrendo a prorrogação, o locador poderá denunciar o contrato a qualquer tempo, concedido o prazo de trinta dias para desocupação.

Art. 47. Quando ajustada verbalmente ou por escrito e como prazo inferior a trinta meses, findo o prazo estabelecido, a locação prorroga - se automaticamente, por prazo indeterminado, somente podendo ser retomado o imóvel:
(...)
 
Foi nesse cenário jurídico que o STJ, a fim de delimitar a extensão das garantias do fiador nos contratos de locação, editou o enunciado nº 214 da sua súmula de jurisprudência. Ei-lo:


Interpretando esse enunciado, chegamos à conclusão de que, para o STJ, os fiadores só podem ser responsabilizados por obrigações contratuais novas quanto tenham concordado expressamente com elas. Isto é, os ajustes firmados exclusivamente entre os contratantes (locador e locatário) não obrigam os fiadores.

Assim, sempre que houvesse a novação na avença locatícia (p. ex.: a mudança da periodicidade dos reajustes ou a majoração do valor locativo), não havendo previsão de anuência do fiador quanto a esses pontos em cláusula específica do contrato principal de locação, o núcleo obrigacional do seu contrato acessório (o contrato de fiança) perdia sua força vinculante da responsabilização do terceiro pela dívida contraída pelo afiançado.

Esse entendimento do STJ, claramente, visava a rechaçar a ideia de perpetuidade da obrigação cometida pela garantia fidejussória, limitando-a à manifestação expressa de vontade do fiador, ainda que a avença locatícia tivesse sido firmado por prazo indeterminado. Logo, a novação contratual, realizada sem o consentimento do fiador, nos termos do enunciado 214 da súmula do STJ, exonerava-o da obrigação assumida.

Com a promulgação da Lei 12.112/09, o legislador subalterno quis dar um fim a essa controvérsia. Movido por esse propósito, deu nova redação ao art. 39 da LI, in verbis:

Art. 39.  Salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel, ainda que prorrogada a locação por prazo indeterminado, por força desta Lei. 

Portanto, após a entrada em vigor da reforma, a Lei do Inquilinato passou a prever expressamente a aplicabilidade da regra de extensão da garantia locatícia também para os contratos de locação prorrogados por prazo indeterminado. Agora, tornou-se evidente a universalidade do critério legal, a estipular que a responsabilidade pela garantia estende-se até a efetiva devolução do imóvel pelo locatário.  

Desse modo, quando o leitor consulente questiona-me acerca da responsabilidade do fiador nos contratos prorrogados “ex vi legis”, no instrumento dos quais conste cláusula de obrigação até a entrega das chaves, ele está tão somente a repetir a orientação ordinária do art. 39 da LI (com a redação dada pela Lei 12.112/09), que está a atrelar a extensão da garantia fidejussória – como, de resto, de todas as demais garantias nessas modalidades contratuais (caução, seguro de fiança locatícia, cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento) – à efetiva devolução do imóvel pelo locatário, conduta que, na prática de mercado imobiliário, formaliza-se pro meio da entrega das chaves.   

Mas o leitor deve notar que a aplicação da regra do art. 39 da LI está condicionada à inexistência de disposição contratual em sentido contrário. Isso significa que o legislador, ao dirimir a controvérsia histórica quanto à extensão da garantia locatícia nos contratos prorrogados por força de presunção legal, preservou a autonomia negocial das partes contraentes, que, dessa maneira, podem ajustar até que momento garantia fidejussória contratada perdurará.   

Para concluir, em resposta direta ao leitor, diante da existência de cláusula expressa no contrato de aluguel de que a responsabilidade do fiador perdurará até a entrega das chaves, não há que se cogitar de sua desobrigação em razão do término do prazo originalmente pactuado. Sim, pois, ao concordar com a cláusula contratual que estende a sua responsabilidade independentemente de nova anuência, o fiador deve arcar com os riscos da mora do afiançado, estando plenamente ciente dos encargos que poderá suportar por força do contrato acessório (na hipótese, de fiança) à avença locatícia.

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